Manezim Rodrigues. ‘Seu’ Manezinho. Manuel Rodrigues de
Oliveira (que é nome de uma escola), ‘Seu’ Mané Rodrigues. Manezim Rodrigues
era médico sem nunca ter ido à faculdade. A única vez que entrou numa escola,
foi na inauguração da que lhe deram o nome. Pequena homenagem pelos serviços
prestados à comunidade pugnando pela saúde e educação públicas. Único parteiro
num raio de muitas léguas, quantas vezes era chamado de madrugada. Lá ia seu
Manezinho com o burro Dourado. Paletó em uma só manga vestido e o braço
descoberto puxando o Dourado, burro manso que vi montado por ele uma só vez,
para fotografia. Nunca percebi o por quê de arrear o burro e levá-lo, se nunca
montava. Para servir de companhia no sobe e desce serra em trilhos mal batidos
na mata ou para servir de ambulância caso o problema da paciente exigisse
deslocação. Para transportar as compras que fazia no retorno, não era, pois
muitas vezes o vi chegando em casa com os sacos de mantimentos sobre o ombro
vestido pelo paletó. Poderia ser para que o burro o conduzisse ao caminho de
casa quando tomava uma carraspana na venda ou em algum velório ou festa de
batizado ou outras a que era chamado pois esses convites eram uma maneira de
retribuir os serviços prestados sempre de graça e, também porque todos gostavam
de ter Manezim à mesa. Anedotas, boas histórias, tantos causos! Coisas que
vivia e que lia em extensa biblioteca incomum para uma casa camponesa: Livros
de plantas em várias línguas; compêndios de medicina; revistas atualizadas
levadas por um filho que morava na cidade; enciclopédias; alguns romances; uma
Bíblia e, bem velhinha, já sem uso, uma cartilha carcomida pelo tempo e pelas
traças. Um copo de cerveja e dois dedos de conversa era o prazer só comparado
ao de ver o pequeno cafezal florescer. Comer também era um prazer. Entre um
turno e outro da capina, eram de duas a três horas à mesa onde reinava soberano
o prato de caldo de feijão. A sesta tirada e, a enxada na mão outra vez. Enxada
que manejava com a mesma destreza com que utilizava o seu bisturi, um canivete
que trazia sempre afiado e que lancetava os nosos furúnculos, tirava os bernes
do gado e, façanha maior, abriu o peito de um colono no portão do terreiro da
casa para bombear a aorta. Daí, os dois dedos de prosa muitas vezes entrarem
pela madrugada e a cerveja não ser uma só. Para ilustrar melhor seu Manezim,
vou contar um caso:
A festa no arraial da fazenda vizinha ia animada. No
terreiro, a sanfona não parava e os pares só largavam a dança quando a carne já
estava no ponto. Muita comida e muita bebida. à varanda, Manezim Rodrigues
sorvia uma cerveja com a calma que sempre o acompanhou, pois tinha tempo para
tudo. Um gole, uma anedota. Outro gole, um causo. Eis que chega um rapaz
esbaforido pedindo socorro, nervoso, agitado. “Seu Manezim, teve uma briga lá
atrás. Seu Manezim, corre, meu irmão foi esfaqueado! Depressa!” Seu Manezim
pegou um guardanapo de pano, entregou ao rapaz e disse:
- Vai lá e embebeda este pano no sangue e traz de volta.
Os poucos que não foram ver a confusão e ficaram na
varanda, olhavam para ele impressionados
com tamanha calma e sem perceberem a intenção daquela atitude tão
inusitada. O rapaz voltou, a correr, e lhe entregou o pano manchado. O senhor
Manuel Rodrigues de Oliveira olhou bem o pano quase a cheirá-lo, pousou-o tranquilamente
na mesa, pegou a caneca e disse, nas calmas:
- É sangue venoso. Há tempo para terminar esta cerveja.”
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