sábado, maio 10, 2014

MANEZIM RODRIGUES

Manezim Rodrigues. ‘Seu’ Manezinho. Manuel Rodrigues de Oliveira (que é nome de uma escola), ‘Seu’ Mané Rodrigues. Manezim Rodrigues era médico sem nunca ter ido à faculdade. A única vez que entrou numa escola, foi na inauguração da que lhe deram o nome. Pequena homenagem pelos serviços prestados à comunidade pugnando pela saúde e educação públicas. Único parteiro num raio de muitas léguas, quantas vezes era chamado de madrugada. Lá ia seu Manezinho com o burro Dourado. Paletó em uma só manga vestido e o braço descoberto puxando o Dourado, burro manso que vi montado por ele uma só vez, para fotografia. Nunca percebi o por quê de arrear o burro e levá-lo, se nunca montava. Para servir de companhia no sobe e desce serra em trilhos mal batidos na mata ou para servir de ambulância caso o problema da paciente exigisse deslocação. Para transportar as compras que fazia no retorno, não era, pois muitas vezes o vi chegando em casa com os sacos de mantimentos sobre o ombro vestido pelo paletó. Poderia ser para que o burro o conduzisse ao caminho de casa quando tomava uma carraspana na venda ou em algum velório ou festa de batizado ou outras a que era chamado pois esses convites eram uma maneira de retribuir os serviços prestados sempre de graça e, também porque todos gostavam de ter Manezim à mesa. Anedotas, boas histórias, tantos causos! Coisas que vivia e que lia em extensa biblioteca incomum para uma casa camponesa: Livros de plantas em várias línguas; compêndios de medicina; revistas atualizadas levadas por um filho que morava na cidade; enciclopédias; alguns romances; uma Bíblia e, bem velhinha, já sem uso, uma cartilha carcomida pelo tempo e pelas traças. Um copo de cerveja e dois dedos de conversa era o prazer só comparado ao de ver o pequeno cafezal florescer. Comer também era um prazer. Entre um turno e outro da capina, eram de duas a três horas à mesa onde reinava soberano o prato de caldo de feijão. A sesta tirada e, a enxada na mão outra vez. Enxada que manejava com a mesma destreza com que utilizava o seu bisturi, um canivete que trazia sempre afiado e que lancetava os nosos furúnculos, tirava os bernes do gado e, façanha maior, abriu o peito de um colono no portão do terreiro da casa para bombear a aorta. Daí, os dois dedos de prosa muitas vezes entrarem pela madrugada e a cerveja não ser uma só. Para ilustrar melhor seu Manezim, vou contar um caso:
A festa no arraial da fazenda vizinha ia animada. No terreiro, a sanfona não parava e os pares só largavam a dança quando a carne já estava no ponto. Muita comida e muita bebida. à varanda, Manezim Rodrigues sorvia uma cerveja com a calma que sempre o acompanhou, pois tinha tempo para tudo. Um gole, uma anedota. Outro gole, um causo. Eis que chega um rapaz esbaforido pedindo socorro, nervoso, agitado. “Seu Manezim, teve uma briga lá atrás. Seu Manezim, corre, meu irmão foi esfaqueado! Depressa!” Seu Manezim pegou um guardanapo de pano, entregou ao rapaz e disse:
- Vai lá e embebeda este pano no sangue e traz de volta.
Os poucos que não foram ver a confusão e ficaram na varanda, olhavam para ele impressionados  com tamanha calma e sem perceberem a intenção daquela atitude tão inusitada. O rapaz voltou, a correr, e lhe entregou o pano manchado. O senhor Manuel Rodrigues de Oliveira olhou bem o pano quase a cheirá-lo, pousou-o tranquilamente na mesa, pegou a caneca e disse, nas calmas:

- É sangue venoso. Há tempo para terminar esta cerveja.”

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