quarta-feira, maio 20, 2015

Enquanto há o medo

Enquanto há o medo 
(História de um dueto inusitado)


Johann Gottfried Müthel podia ser assim por ter tido o pai como o seu primeiro professor; por, já aos dezenove anos de idade, ter sido organista da corte e cravista pessoal de Christian Ludwig II, o Duque de Mecklenburg-Schwerin; ou ainda, por ter sido o último aluno de Johann Sebastian Bach; por ser considerado o melhor executante de clavicórdio de sua época; ou, ainda mais, por estar vivendo em Riga, nos confins do Império Russo, tão longe dos centros musicais em voga na Europa. Porém, ele era assim porque era. Vai-se lá saber o motivo. Era assim! Tinha muito mau feitio. Se bem que o seu temperamento e seu comportamento extravagante não eram de se estranhar por serem tão comuns à maioria dos virtuosos. 

Pois, por vingança filial, vaidade profissional, orgulho do aprendizado ou raiva do destino, o fato é que ele era muito rigoroso nos contratos artísticos. Uma de suas exigências era a de silêncio absoluto em suas apresentações públicas e por isso só se apresentava quando havia neve, o que fazia com que um concerto seu fosse quase uma impossibilidade e a audiência fosse ainda mais reduzida já que com a neve aumentam as constipações. 

Para que este caso se sucedesse, três personagens tem que entrar na história: Marie-Alix, uma poeta de terras de França e, anônimos, dois noviços. Os dois religiosos exerciam as funções de sineiros do grande campanário da grande igreja da pequena aldeia onde o caso se passou. Um deles só queria saber das guloseimas convençais; o outro, o magro, só pensava no dia em que teria autorização para tocar o carrilhão. Quanto à poeta, esta caiu nas graças do alcaide que tudo fazia para agradar a visitante que lá estava de passagem e manifestara o desejo de ouvir o famoso clavicordista. 

Assim foi. O alcaide mandou vir de Riga, a peso de ouro, o talentoso músico. Mas o tempo também tem os seus caprichos. Naquela noite, a neve teimava em não cair. O desespero do alcaide só cessou quando soube que em um povoado serrano, a menos de meia légua dali, as ruas já estavam atapetadas de branco. 

Um concerto de clavicórdio é um exercício também para a audiência, que grande esforço há que fazer para sentir todas as nuances do instrumento. O ouvinte se cansa quase tanto quanto o músico que tem que ter muita concentração e destreza para oferecer todos os harmônicos e vibratos que compensam os esforços dos dois lados. 

Uma carruagem desgovernada adentra a aldeia. Todos os passageiros estão mortos. Prontamente exige-se que o sino toque a rebate. Pela precariedade da velha corda ou pelos quilos a mais do noviço que gostava de doces, o sino não chegou a dar três ou quatro badaladas. O magro, que se magoou menos com a queda, rapidamente correu para o teclado do carrilhão. Porém, não desatou a tocá-lo apenas para chamar a atenção da população. Era o seu tão sonhado momento. Fez sim um grito de alerta. Angustiante. Tenso. Mas musical. 

O músico, impassível, deixa de tocar a sua obra para responder à melodia que o vento lhe trazia de longe. Porém, sinos àquela hora da noite, não importava se harmônicos ou não, eram sinal de perigo. O alcaide foi o primeiro a abandonar o recinto, levando junto a sua hóspede, que saiu arrastada, pois, como artista que era, não queria perder a poesia daquele encontro dos extremos. Debandada geral. O improviso musical durou quase toda a noite, enquanto cada um tratava de si. Da audiência, apenas ficou para ouvir tão desconcertante concerto, o Cristiano Holtz, que foi quem me contou a história.

(Publicado no número 12 da Revista Via Latina, da Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra.

quarta-feira, maio 06, 2015

Daimónico à solta

Cantiga de escárnio e mal dizer com um pocochinho de humor negro sobre as batatas transgénicas, por Filomena Cabral, Isabel Figueiredo e eu, que começou com o mote “Mortalhas de couratos e lombinhos de papelão” 

Tais batatas, diz Bruxelas
São para dar aos suínos
E para fazer papel
Ora, o porco a gente come
E o papel também se fuma
Mas com tanta transgenia
Não demora muito tempo
A gente inverte a fasquia

Se o porco a gente come
Apesar da transgenia
Um dia há-de chegar
Em que o bicho grunhirá:
"Poupa-me, sou tua tia!"

Se o bichinho é minha tia
Não lhe vou passar a faca
Com prazer, isto faria
A uns certos filhos de vaca.

Misturados à manada
Não há sorte que nos valha.
Ainda que rejeitemos
Tais lombinhos guarnecidos
De couvinhas de Bruxelas,
Ninguém nos livrará - ó bichos -
De usar a mesma gamela!

SUKIAKI É O...

SUKIAKI É O…

Versão Tejo bar da música “Ue o Muite Arukou”, de Rokusuke Ei/Hachidai Nakamura que fez grande sucesso mundial na década de 60 e ficou internacionalmente conhecida pelo título dado pelo mercado estadunidense que na dificuldade(?) de falar o nome original, chamou-a de Sukiaki, que é um nome de comida e nada tem a ver com o original.

Você vai caminhando
Sempre a olhar o céu
P’ra não deixar
Rastro do choro
Pelo chão onde pisou
Isso é ilusão
Abre o coração
Olha p’ra frente. Já passou

Se ela não o quer
Esquece essa ingrata
Siga o seu caminho
Vá comer pastéis de nata

Você vai caminhando
Sempre a olhar o céu
P’ra não mostrar
Que nessa história
Você ficou tão “down”
Deixa de bobagen
Faça uma viagem
Ou vá comer um bacalhau

Se ela não o quer
Deixe lá, cague nisso
Siga o seu caminho
Vá comer pão com chouriço

Se ela não o quer
E você sentiu o baque
Siga o seu caminho
Vá comer um Sukiaki

Se ela não o quer
E você ficou na mão
Encha a sua pança
Vá-se embora p’ro Japão

Ue o Muite
Arukou
Namida ga
Koborenai yoni
Omoidasu
Haru no hi
Hitoribotchi no Yoru