domingo, outubro 28, 2018

Mudei meu não-voto


Na minha ingenuidade revolucionária sempre achei quase impossível fazer-se uma revolução no Brasil, tão religioso, tão cristão. Admirava os povos que conseguiram fazê-la.  Zapata, Sandino, Castro, Louverture... Imaginava eu, como eles agiam para angariar simpatia para a luta que invariavelmente derrama sangue de irmãos?  Com a expansão do cristianismo através da proliferação de igrejas evangélicas neopetencostais, nunca imaginei que se pudesse convencer os camponeses e os operários a colaborar com quem empunhasse uma arma para lutar por uma mudança. Que ingenuidade! Uma nova Cruzada se avizinha.

Durante a Ditadura Militar fizemos de tudo pelo direito de escolher os nossos dirigentes.  O direito de voto foi reconquistado, mas em trinta anos percebemos que só isso não bastava para as mudanças que se fazem necessárias para uma sociedade mais igualitária. Portanto, eu optei por não votar, nem incentivava ninguém a votar. Mas também não estava mais lutando. Era partidário do não-voto, do eles-não e só. Para quê? Não vai mudar nada! Aprendi que só a Revolução para uma Nova Democracia poderá ser o caminho para um mundo melhor e acredito que ela esteja em curso.  Porém, depois do discurso telefônico para a Paulista, comecei a titubear. Nesses trinta anos não tivemos democracia, mas não tivemos o medo que tínhamos nos vinte e um de ditadura militar.

Bolas, sabemos que o Socialismo, inexoravelmente, será alcançado. Se não houver um cataclismo ou uma guerra que acabe de vez com esse globo, a humanidade chegará ao ponto de viver em comunhão com a natureza. Portanto, não será o meu voto que atrapalhará esse avanço que, acredito, é científico. Uma Nova Democracia surgirá, mas meu lombo pode levar amanhã mesmo. Prefiro arriscar a poder passar pelo menos mais quatro anos sem o medo do relho. Vou votar no Haddad!

Disse arriscar, porque dizem que se o PT ganhar, o fascismo (último guardião do Capitalismo) que está metastasiado na sociedade, obrigará as Forças Armadas a um Golpe de Estado. Se assim for, é preferível ter uma ditadura imposta que a vergonha de se eleger uma. A vergonha de ser nós próprios a escolhermos um governo em que o Homem não será nada mais que o braço armado de um Deus que ditará quem são os Seus e quem são os que irão para a “ponta da praia”.

segunda-feira, outubro 15, 2018

Era que não era de Aquarius


Corria a década de 1970. Meio aos anos duros da Ditadura Militar surgiu o Projeto Aquarius, idealizado pelo jornalista Roberto Marinho e pelo maestro Isaac Karabtchevsky que, à frente da Orquestra Sinfônica Brasileira, procurava popularizar a boa música. Em Brasília, a apresentação estava programada para o Ginásio Coberto que, sabia-se de antemão iria lotar, não só por ser com entrada franca e pela divulgação maciça dos meios de comunicação, mas pela carência de divertimento do povo das cidades satélites ao Plano Piloto da Capital, que tanto quanto os bairros de lata que a abastecia de mão de obra, também sofria da carência dos grandes espetáculos que se concentravam no eixo Rio-São Paulo.

Fui cedo para pegar lugar. Circundando o Ginásio, vários canhões de 105 mm apontavam suas bocas para a grande multidão que descia dos coletivos que vinham da Ceilândia, Taguatinga, Gama, Núcleo Bandeirante, Guará...  Hum...

Consegui um folheto com a relação das músicas e lá constava a Abertura 1812, de Tchaikovsky, mas andava tão escaldado que não percebi de vez que os tais canhões fariam parte da execução da Abertura, que o próprio compositor não conseguiu executá-la como imaginara. Só me atinei quando a arquibancada tremia sob os ribombos e tive que ajudar a procurar fazer com que o povo prestasse atenção aos alto-falantes que tentavam evitar uma tragédia.

Hoje, de qualquer forma, prestem bem atenção aos canhões. Podem não fazer parte do espetáculo.

(A ilustração, não sei de quem é a autoria.)