Corria a década de 1970. Meio aos anos duros da Ditadura Militar
surgiu o Projeto Aquarius, idealizado pelo jornalista Roberto Marinho e pelo
maestro Isaac Karabtchevsky que, à frente da Orquestra Sinfônica Brasileira,
procurava popularizar a boa música. Em Brasília, a apresentação estava
programada para o Ginásio Coberto que, sabia-se de antemão iria lotar, não só
por ser com entrada franca e pela divulgação maciça dos meios de comunicação,
mas pela carência de divertimento do povo das cidades satélites ao Plano Piloto
da Capital, que tanto quanto os bairros de lata que a abastecia de mão de obra,
também sofria da carência dos grandes espetáculos que se concentravam no eixo
Rio-São Paulo.
Fui cedo para pegar lugar. Circundando o Ginásio, vários
canhões de 105 mm apontavam suas bocas para a grande multidão que descia dos
coletivos que vinham da Ceilândia, Taguatinga, Gama, Núcleo Bandeirante,
Guará... Hum...
Consegui um folheto com a relação das músicas e lá constava
a Abertura 1812, de Tchaikovsky, mas andava tão escaldado que não percebi de
vez que os tais canhões fariam parte da execução da Abertura, que o próprio
compositor não conseguiu executá-la como imaginara. Só me atinei quando a
arquibancada tremia sob os ribombos e tive que ajudar a procurar fazer com que
o povo prestasse atenção aos alto-falantes que tentavam evitar uma tragédia.
Hoje, de qualquer forma, prestem bem atenção aos canhões.
Podem não fazer parte do espetáculo.
(A ilustração, não sei de quem é a autoria.)
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