Fui convidado por telefone para fazer figuração em um filme
de produção estrangeira e percebi mal o recado. Ao pensar que se tratasse de um
filme alemão a falar sobre o Nazismo, aceitei sem pestanejar. Seria algo
histórico (ainda não tinham feito o “A Queda”) e eu disse que até trabalharia
de graça. Ao que disseram que não carecia e que o cachet seria maior que o normal por se tratar
de figuração especial. A produção
precisava de muita gente. Pelo menos cento e cinquenta pessoas dispostas a
ficar em pelotas, em pleno Inverno lisboeta.
Na verdade, não era um filme alemão, era francês, Deux. O
diretor Werner Schroeder é que é alemão. Não era sobre o Nazismo. Apenas uma cena
onírica interpretada por Isabelle Huppert junto aos mortos de um campo de
concentração nazista. De qualquer forma o convite já havia sido aceite e os
vinte e cinco euritos davam bem jeito. E
seria só para tirar a roupa, não para falar alemão.
No ginásio desportivo onde seria rodada a cena havia aquecedores por todo lado, ainda assim procurei um sítio bem cômodo para a filmagem que seria demorada, o que, para papel de morto é um grande inconveniente. Deitei-me sobre três mocinhas adolescentes rechonchudas. Tão bem acomodado que daria até para tirar um cochilo para descontar a noite toda passada no Tejo bar. Porém o diretor de cena ao reparar nas minhas costelas resolveu colocar-me mais à frente da cena, onde estavam os mais cadavéricos. Mudou tudo. Das almofadas naturais fui para o chão de cimento. Em vez de cochas e barriguinhas, a ponta de uma pila a fazer-me cócegas no ouvido. E só podia mover-me após o “corta” tantas vezes dito. Por um pouco de sorte, o referido membro era de um conhecido francesinho, cliente do Tejo bar e quem havia dado o meu contato para a assistência da produção. Não me lembro do seu nome, mas o grau de intimidade adquirido nas noitadas de Alfama me permitiam retirar manualmente o enxerido da orelha, sem atrapalhar os “takes”.
Como a sorte também nunca vem sozinha, pude ver a Isabelle
Huppert a partir de uma posição privilegiada. Posição tal que se rapaz ainda
fosse me gabaria todo, mas já sou quase maduro para não me abalar muito com os
mistérios do que será que se vislumbra no escuro fundo de uma saia. Grande
sorte a de poder ver a atriz francesa derramar lágrimas a cada vez que seu nome
era gritado pelo realizador como em um reflexo pavloviano nas incontáveis repetições
que foram feitas. Era assim: Atenção. Câmara. Isabelle! E ela abria a torneira
automaticamente. Nunca vi nada igual!
Poderia estar me sentindo o máximo. Um ator abençoado pelas
lágrimas de uma deusa da Sétima Arte a quem respingou algumas gotículas do
pranto, ainda que falso, em seu rosto de morto com olhos arregalados que
suscitou um agradecimento de parte do diretor de cena. Mas não. Mesmo velho, ainda fico bobo a pensar
no que seria aquilo que meus olhos viram quando a atriz passou por cima de mim
derramando as lágrimas que nem foram bem aproveitadas na montagem final. Coisas
do cinema.
Sem comentários:
Enviar um comentário