Era uma vez uma cidade em que era proibido roubar
galinhas. Nada de mais, já que em quase todas as cidades que conhecemos, o
roubo de galinha, e não só, é proibido. Porém, nesta, nunca ninguém havia
sofrido qualquer punição por tal crime. Devido à origem do nome da cidade,
Aleluia, cujo Sábado, por tradição é facultado o assalto a galinheiros, faz-se
vista grossa para tal prática. Prática democrática, diga-se de passagem, já que
fosse rico ou fosse pobre, ninguém ia para a cadeia por isto. Se bem que aos
pobres tornava-se quase impossível atacar os galinheiros. Só os ricos e os
remediados é que possuíam a manha e os meios para burlar vigilâncias e transpor
os muros e as cercas eletrificadas dos ricos e dos bem remediados que tinham
galinheiros. E por que os ricos e os bem remediados é que criavam galinhas? Na
verdade aquela terra era muito boa para o milho. Só vendo! Cada espiga! Mesmo
sem serem transgênicos é cada milhão deste tamanho! E só com a produção aviária
é que se podia obter o subsídio para os milhões. Os caroços pequenos iam para
os que não tinham galinhas. São os
meandros da Economia. O que não vem ao caso. O que importa mesmo é a dona Maria
das Canjas. E aqui é que deveria estar o “Era uma vez”. Pois, vamos lá!
Era uma vez uma senhora que por sua vontade de
ajudar aos menos afortunados chegou a alcaide de Aleluia, ou alcaida, como ela
preferia que fosse nomeada, já que se tratava da primeira mulher a ocupar o
cargo mais alto da cidade. Alcaidessa poderia confundir com a mulher do alcaide
e nem marido tinha ela que ocupava todo o seu tempo a preocupar-se com a canja
que sempre oferecia aos que mal comiam o milho miúdo e às vezes nem isso. Essa
preocupação rendeu-lhe o nome, o cargo e as intrigas por parte dos ladrões que
faziam do roubo das galinhas um negócio muito lucrativo. Tramavam pelos
corredores:
Isto de canja para os pobres tem que se acabar! Onde
já se viu! Galinha de graça! Quem quiser um bom pirão tem que pagar! Eu vendo! Onde
isto vai parar!? ...
Mais que as intrigas, crescia o ódio. Um ódio que se
propagava através de falsas notícias. Dizia-se que sua intenção seria acabar
com os galinheiros e depois tentaria implantar o vegetarianismo, quando a todos
só restaria o carolo do milho.
Aconteceu que a reserva de galinhas destinadas à
canja começou a escassear e antes que se esgotasse de vez a alcaida viu-se
obrigada a lançar mão da prática tão comum. Bato na boca três vezes, mas digo
que parece que foi a propósito que deixaram as portas destrancadas e a
eletrificação desligada para facilitar a tarefa da Maria das Canjas. Porém a doutora
Januária, a quem ninguém prestava homenagens, mas que não saía da janela, viu.
Gritou: “Pega ladrão!” Pegaram. Seria julgada, afinal, era um crime. Estava
gravado nas tábuas da lei.
As paredes dos corredores novamente ouviam tramas.
Não pode ser condenada! Abrirá jurisprudência! Essas coisas que só os advogados
e os ladrões entendem, mas que dá para se perceber que se depois de alguém
sofrer pena por isso, ninguém mais poderia fazê-lo.
- Estejam tranquilos. – disse calmamente o vice alcaide
– Não temam! Depois, a gente muda as regras.
Não deu outra. Dois dias depois da condenação da
mulher, o arauto do alcaido, como ele preferiu ser chamado, ditava. “Tendo em
vista as tradições religiosas de nossa boa terra, a partir desta data, fica
decretado que o roubo de galinhas é descriminalizado. Portanto, cuidem de seus
galinheiros porque em Aleluia, todo dia é Sábado!”