sábado, novembro 12, 2016

Siammo tutti clandestini

Quando o Berlusconi ganhou a eleição, o Francesco Litti, então a fazer o Projeto Erasmus e freqüentador assíduo do Tejo bar, flipou de vez. Os pais foram a Lisboa e o levaram à revelia dos amigos que por ele zelavam. Os pais são os pais. Tentei  encontrá-lo em sua casa, em Florença para hipotecar a solidariedade dos companheiros de Alfama. Não o encontrei. Deixei à porta um bilhete e fui dormir na estação junto com alguns sem teto e imigrantes. De volta, ao passar pela Provença para recuperar as energias em casa da Monique Julien, uma espécie de santinha salvadora dos aflitos, fiz uma canção para o amigo que, ao que soube depois, já melhorava da piração. Dei à canção o nome de De Degun (em provençal: De ninguém).
Hoje, depois de levar com Crivela, continuar levando com o Temer e não podendo rir dos americanos que vão levar dom o Trump, resgato a canção que acabou por ficar conhecida por “Siammo tutti clandestini”.



quinta-feira, outubro 13, 2016

Descobrindo-me

Descobrindo-me 
(sempre é tempo) 

Tem homo... tem hétero... 
Tem bi... também trans... 
Tem até simpatizantes 
Mas eu 
Eu sou mesmo é sem vergonha

domingo, setembro 04, 2016

Maria das Canjas

Era uma vez uma cidade em que era proibido roubar galinhas. Nada de mais, já que em quase todas as cidades que conhecemos, o roubo de galinha, e não só, é proibido. Porém, nesta, nunca ninguém havia sofrido qualquer punição por tal crime. Devido à origem do nome da cidade, Aleluia, cujo Sábado, por tradição é facultado o assalto a galinheiros, faz-se vista grossa para tal prática. Prática democrática, diga-se de passagem, já que fosse rico ou fosse pobre, ninguém ia para a cadeia por isto. Se bem que aos pobres tornava-se quase impossível atacar os galinheiros. Só os ricos e os remediados é que possuíam a manha e os meios para burlar vigilâncias e transpor os muros e as cercas eletrificadas dos ricos e dos bem remediados que tinham galinheiros. E por que os ricos e os bem remediados é que criavam galinhas? Na verdade aquela terra era muito boa para o milho. Só vendo! Cada espiga! Mesmo sem serem transgênicos é cada milhão deste tamanho! E só com a produção aviária é que se podia obter o subsídio para os milhões. Os caroços pequenos iam para os que não tinham galinhas.  São os meandros da Economia. O que não vem ao caso. O que importa mesmo é a dona Maria das Canjas. E aqui é que deveria estar o “Era uma vez”. Pois, vamos lá!
Era uma vez uma senhora que por sua vontade de ajudar aos menos afortunados chegou a alcaide de Aleluia, ou alcaida, como ela preferia que fosse nomeada, já que se tratava da primeira mulher a ocupar o cargo mais alto da cidade. Alcaidessa poderia confundir com a mulher do alcaide e nem marido tinha ela que ocupava todo o seu tempo a preocupar-se com a canja que sempre oferecia aos que mal comiam o milho miúdo e às vezes nem isso. Essa preocupação rendeu-lhe o nome, o cargo e as intrigas por parte dos ladrões que faziam do roubo das galinhas um negócio muito lucrativo. Tramavam pelos corredores:
Isto de canja para os pobres tem que se acabar! Onde já se viu! Galinha de graça! Quem quiser um bom pirão tem que pagar! Eu vendo! Onde isto vai parar!?  ...
Mais que as intrigas, crescia o ódio. Um ódio que se propagava através de falsas notícias. Dizia-se que sua intenção seria acabar com os galinheiros e depois tentaria implantar o vegetarianismo, quando a todos só restaria o carolo do milho.
Aconteceu que a reserva de galinhas destinadas à canja começou a escassear e antes que se esgotasse de vez a alcaida viu-se obrigada a lançar mão da prática tão comum. Bato na boca três vezes, mas digo que parece que foi a propósito que deixaram as portas destrancadas e a eletrificação desligada para facilitar a tarefa da Maria das Canjas. Porém a doutora Januária, a quem ninguém prestava homenagens, mas que não saía da janela, viu. Gritou: “Pega ladrão!” Pegaram. Seria julgada, afinal, era um crime. Estava gravado nas tábuas da lei.
As paredes dos corredores novamente ouviam tramas. Não pode ser condenada! Abrirá jurisprudência! Essas coisas que só os advogados e os ladrões entendem, mas que dá para se perceber que se depois de alguém sofrer pena por isso, ninguém mais poderia fazê-lo.
- Estejam tranquilos. – disse calmamente o vice alcaide – Não temam! Depois, a gente muda as regras.


Não deu outra. Dois dias depois da condenação da mulher, o arauto do alcaido, como ele preferiu ser chamado, ditava. “Tendo em vista as tradições religiosas de nossa boa terra, a partir desta data, fica decretado que o roubo de galinhas é descriminalizado. Portanto, cuidem de seus galinheiros porque em Aleluia, todo dia é Sábado!”

quinta-feira, janeiro 28, 2016

Eu vi um médico chorar.

Eu vi um médico chorar. 
Primeiro, atrapalhei-me com o mecanismo de revestir o guarda-chuva junto à escada rolante. Fiquei boquiaberto com a destreza da velhinha que, com um só movimento executou a ação que eu, depois de estragar dois sacos plásticos, só consegui finalizar com as mãos a colocação da grande camisinha para que os pingos comuns lá de fora não impregnassem o piso impoluto daquele shopping da Zona Sul do Rio de Janeiro. Fiz o que devia fazer. Antes de sair, fui ao banheiro e, logo de cara, espantou-me a qualidade do papel higiênico, as toalhas descartáveis, os protetores sanitários... A limpeza! Parecia uma sala de cirurgia. Aí, lembrei-me do médico que vi chorar. Numa manifestação por melhores condições de trabalho, dizia ele, aos borbotões: “Não temos gaze!” 
                                                                           (Oliveira de Castela)