quinta-feira, janeiro 18, 2018

Meu envolvimento com o Cordel

Numa de minhas viagens pela BR 364, no tempo dela em barro, quando para se chegar mais rápido, ia-se trocando de carona de atoleiro em atoleiro, peguei uma carona com o senhor Zezinho e ia pensando que uma boa maneira de retribuir a gentileza seria dedicar-lhe uns versos, para além de bater os pneus, verificar o óleo, limpar o para-brisa ou servir de companhia, combatendo a solidão da estrada e a tortura do sono. O tema para os versos seria as diferentes coisas e costumes  das terras por onde íamos. Começou assim, o que chamei de Do Norte e do Sul, meu primeiro cordel:

“Seu” Zezinho me levou
Na boleia do “alfão”
Lhe dedico esses versos
Com muita admiração
Pois é um grande motorista
Esteio desta Nação

De Norte a Sul viajando
Comecei a reparar
Que as coisas mudam de nome
Dependendo do lugar
Às vezes, mudam as coisas
E, algumas, vou comentar

Ia por aí... até falei da jabuticaba, minha tão bem conhecida, me vingando dos cupuaçus e graviolas que provocavam risos com o meu estranhamento e que hoje todo mundo conhece com a globalização.
Quando voltei da viagem, procurei os amigos gráficos da UFAC e imprimimos uns cem exemplares da brincadeira. Outras ideias vieram e rapidamente saiam para as ruas e bares vendidas de mão em mão. E olha, que durante pelo menos um ano e meio, comi graças aos livretos de cordel. Até dizia que, no Brasil só eu e o Jorge Amado vivia de literatura, guardando as devidas proporções. Ele, o outro Jorge, comia bem.
Tudo podia servir de tema. Até uma briga conjugal terminou em versos onde entrei com sextilhas e a mulher com quadras. Foi o deleite do público que pagava para saber mais detalhes do que o que a imprensa só noticiava superficialmente.
A política era um bom tema. Para ludibriar a censura com o Transformações, juntei no mesmo livreto o Sou Homem de Xapuri, Cabra Macho Pra Lascar, que dissertava comicamente sobre o fato de Xapuri ser a cidade do Acre eleita para as gozações sobre as opções sexuais dos homens nela nascidos.
Apertos mesmo, só os passei quando editei o A Guerrilha do Araguaia, de Raimundo Nonato da Rocha, poeta de Brasiléia, de quem já havia editado o Espártaco. Esses dois tive que os fazer praticamente sozinho e a distribuição era feita muito na calada até que sofri uma ameaça quando divulguei o A Guerrilha... no I Encontro de Escritores de Rondônia. Disseram que não poderia vendê-los ou... um tapa de leve na cara foi um bom pretexto para desistir da venda durante o encontro e entregar todos os exemplares para o pessoal da resistência camponesa que os distribuiu gratuitamente em Guajará-Mirim. Saiu melhor que a encomenda.
Durante um Congresso Nacional de Professores, em Vitória, Espírito Santo, a verba que o Estado destinara para a participação acreana emperrou-se na burocracia. Como muitos dos participantes tinha levado castanha que serviriam para troca de mimos com participantes de outras regiões do país, resolveu-se colocar à venda numa banca à porta do auditório. Rapidamente, saíram alguns versos de criação coletiva falando dos valores nutritivos da Castanha do Brasil (antiga do Pará), que os palhaços Tenorino (Dinho Gonçalves) e Trimpulim (eu) cantamos apregoando. De volta, saiu o livreto De Como Quando e Porque o Professor Acreano Vendeu Castanha. A renda foi entregue à Associação dos Professores para não depender tanto da burocracia estatal em outros eventos.

Do meu tempo de cordel fica o eterno agradecimento aos operários da gráfica universitária que muitas vezes se viam obrigados a fazer o serviço às escondidas, em horas mortas. Também ao saudoso Nivaldo, da gráfica da Fundação Cultural do Acre. 
E aos mimeógrafos!


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