Nunca me vi na vida a
mover alguma ação judicial contra alguém ou alguma instituição, muito menos à
Empresa de Correios e Telégrafos. Não porque esta não tenha dado motivos. Tive
com ela alguns problemas, mas que não chegaram a abalar o apreço que sempre
nutri para com essa instituição. Consideração por mim demonstrada
literariamente em alguns romances, onde os estafetas são sempre personagens
tratadas com o maior carinho.
Cansado da
preocupação por andar com um equipamento fotográfico de grande porte que atraía
muita atenção, resolvi enviar a câmera e as lentes para a minha filha que mora
em Lisboa. No mesmo pacote seguiram dois desenhos de minha autoria e, na
memória da máquina, uma foto de sua avó. A encomenda, sob registro, chegou ao
endereço destinatário, não foi retirada a tempo e tornou ao endereço remetente.
Recebi o aviso, fui à agência, paguei uma taxa, retirei a encomenda e novamente
a enviei para outro endereço, aos cuidados do namorado da menina.
Isto de estar seguindo
um objeto através do rastreamento deu azo a uma história cuja trama envolvia
uma encomenda registrada que seria adulterada. Apenas imaginação. Pronta para
ser colocada em forma de conto e participar do Prêmio Ferreira de Castro,
concurso realizado pela Câmara de Sintra, no qual já havia sido selecionado
certa vez e o prêmio não pode ser oficializado por eu não ter a nacionalidade
portuguesa. A cláusula do regulamento que impedia aos não naturais de
participarem foi, depois disso, suprimida. Sendo assim, estava apto e disposto
a participar novamente do concurso.
Entretanto, a
encomenda foi retida na Alfândega Portuguesa por estar, desta vez, sem o valor
declarado e sem nota fiscal. Muito tempo
se passou, o bastante para que não se pudesse mais reclamar através da página
dos Correios na Internet. Foi-lhe dado o mesmo valor da primeira remessa (Mil
reais). Razoável para os dois mil e quinhentos de valor de compra. Mais uma vez, nem a filha, nem o seu namorado
foram a tempo para buscar a encomenda que voltou ao Brasil.
Acompanhava pelo
mecanismo de rastreamento até que soube que já estava na Agência do Engenho de
Dentro, a mais próxima de onde moro. Esperei o aviso que não veio. Com três
dias, fui à Agência e já lá não estava. No rastreamento dizia que tinha ido
para refugo aguardando destinação. Bom, tenho um ano, por lei, para encontrar a
encomenda antes que seja destruída. Fui à cata.
Em uma das contas do
rosário que comecei a desfiar, contei para a gerente da agência do Méier sobre
o conto que estava a imaginar. Ela deu um pulo! E disse que tal situação nunca
poderia acontecer. Desisti do conto. Afinal, o meu carinho pelos estafetas
continua e não procederia inventar uma situação só por capricho literário. E,
ora bolas, a encomenda já tinha ido e voltado uma vez. Sem danos. Apenas com a
caixa muito maltratada. Não escrevi e nem participei do concurso. Por sorte,
quem ganhou o concurso esse ano foi Cláudia Neves Fernandes (Victória F.),
escritora portuguesa, minha amiga. E fiquei contente na mesma!
Esgotadas as contas
dos três terços, levei a questão ao PROCON para procurar saber por que não se
devolvia a encomenda mesmo eu apresentando o número de registro. Na resposta a
Empresa de Correios alega que não fez a entrega por não ter o endereço afixado
na embalagem. Acredito que na manipulação alfandegária a caixa tenha sido
estragada e a encomenda tenha sido colocada em outra caixa, sem a morada. Mas o
número do registro manteve-se!
O Serviço de Proteção
ao Consumidor aconselhou-me a levar o caso para a Justiça. Nem ao menos
precisaria de advogado caso o meu pedido de indenização por danos morais não
passasse de vinte salários mínimos. Porém, como poderia eu chegar a estipular
um valor para algo tão subjetivo? Quanto mais poderia eu acrescentar ao valor
material declarado?
Lembrei-me da
malograda tentativa de escrever o conto, entendi que bem poderia pedir o valor
de pecúnia do concurso que com ele participaria. Já que fui dissuadido a
escrever o conto, que pelo menos ganhe o valor do prêmio. Tendo em vista que se
trata de cinco mil euros, o que equivale, em reais, a mais de vinte salários, vi-me
obrigado a procurar ajuda profissional. Fui atrás do amigo e colega de
aventuras, Daniel, mas este, não advoga mais. Compreendo. Temos o mesmo
espírito romântico. E, se para mim é custoso ir uma vez à barra, imagina um
advogado que o tem que fazer por meio de vida. O esperto agora está no Turismo,
mas indicou-me a sua tia.
E, afinal, o que me
garante que eu venceria o concurso com tal conto? Respondo: A mesma garantia
que me dá um número de registro para a devolução de uma encomenda, dentro do
prazo legal.
O irônico de tudo
isso foi eu mandar para a Europa um equipamento que pouco usava com medo de
perdê-lo.
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