quarta-feira, janeiro 16, 2019

QUERO O MEU CONTO DE VOLTA


Nunca me vi na vida a mover alguma ação judicial contra alguém ou alguma instituição, muito menos à Empresa de Correios e Telégrafos. Não porque esta não tenha dado motivos. Tive com ela alguns problemas, mas que não chegaram a abalar o apreço que sempre nutri para com essa instituição. Consideração por mim demonstrada literariamente em alguns romances, onde os estafetas são sempre personagens tratadas com o maior carinho.

Cansado da preocupação por andar com um equipamento fotográfico de grande porte que atraía muita atenção, resolvi enviar a câmera e as lentes para a minha filha que mora em Lisboa. No mesmo pacote seguiram dois desenhos de minha autoria e, na memória da máquina, uma foto de sua avó. A encomenda, sob registro, chegou ao endereço destinatário, não foi retirada a tempo e tornou ao endereço remetente. Recebi o aviso, fui à agência, paguei uma taxa, retirei a encomenda e novamente a enviei para outro endereço, aos cuidados do namorado da menina.

Isto de estar seguindo um objeto através do rastreamento deu azo a uma história cuja trama envolvia uma encomenda registrada que seria adulterada. Apenas imaginação. Pronta para ser colocada em forma de conto e participar do Prêmio Ferreira de Castro, concurso realizado pela Câmara de Sintra, no qual já havia sido selecionado certa vez e o prêmio não pode ser oficializado por eu não ter a nacionalidade portuguesa. A cláusula do regulamento que impedia aos não naturais de participarem foi, depois disso, suprimida. Sendo assim, estava apto e disposto a participar novamente do concurso.

Entretanto, a encomenda foi retida na Alfândega Portuguesa por estar, desta vez, sem o valor declarado e sem nota fiscal.  Muito tempo se passou, o bastante para que não se pudesse mais reclamar através da página dos Correios na Internet. Foi-lhe dado o mesmo valor da primeira remessa (Mil reais). Razoável para os dois mil e quinhentos de valor de compra.  Mais uma vez, nem a filha, nem o seu namorado foram a tempo para buscar a encomenda que voltou ao Brasil.

Acompanhava pelo mecanismo de rastreamento até que soube que já estava na Agência do Engenho de Dentro, a mais próxima de onde moro. Esperei o aviso que não veio. Com três dias, fui à Agência e já lá não estava. No rastreamento dizia que tinha ido para refugo aguardando destinação. Bom, tenho um ano, por lei, para encontrar a encomenda antes que seja destruída. Fui à cata.

Em uma das contas do rosário que comecei a desfiar, contei para a gerente da agência do Méier sobre o conto que estava a imaginar. Ela deu um pulo! E disse que tal situação nunca poderia acontecer. Desisti do conto. Afinal, o meu carinho pelos estafetas continua e não procederia inventar uma situação só por capricho literário. E, ora bolas, a encomenda já tinha ido e voltado uma vez. Sem danos. Apenas com a caixa muito maltratada. Não escrevi e nem participei do concurso. Por sorte, quem ganhou o concurso esse ano foi Cláudia Neves Fernandes (Victória F.), escritora portuguesa, minha amiga. E fiquei contente na mesma!
Esgotadas as contas dos três terços, levei a questão ao PROCON para procurar saber por que não se devolvia a encomenda mesmo eu apresentando o número de registro. Na resposta a Empresa de Correios alega que não fez a entrega por não ter o endereço afixado na embalagem. Acredito que na manipulação alfandegária a caixa tenha sido estragada e a encomenda tenha sido colocada em outra caixa, sem a morada. Mas o número do registro manteve-se!

O Serviço de Proteção ao Consumidor aconselhou-me a levar o caso para a Justiça. Nem ao menos precisaria de advogado caso o meu pedido de indenização por danos morais não passasse de vinte salários mínimos. Porém, como poderia eu chegar a estipular um valor para algo tão subjetivo? Quanto mais poderia eu acrescentar ao valor material declarado?

Lembrei-me da malograda tentativa de escrever o conto, entendi que bem poderia pedir o valor de pecúnia do concurso que com ele participaria. Já que fui dissuadido a escrever o conto, que pelo menos ganhe o valor do prêmio. Tendo em vista que se trata de cinco mil euros, o que equivale, em reais, a mais de vinte salários, vi-me obrigado a procurar ajuda profissional. Fui atrás do amigo e colega de aventuras, Daniel, mas este, não advoga mais. Compreendo. Temos o mesmo espírito romântico. E, se para mim é custoso ir uma vez à barra, imagina um advogado que o tem que fazer por meio de vida. O esperto agora está no Turismo, mas indicou-me a sua tia.

E, afinal, o que me garante que eu venceria o concurso com tal conto? Respondo: A mesma garantia que me dá um número de registro para a devolução de uma encomenda, dentro do prazo legal.

O irônico de tudo isso foi eu mandar para a Europa um equipamento que pouco usava com medo de perdê-lo.

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