1990.
La Fraternité, bar de uma associação, ou centro social, protestante, de
Lausanne, no Cantão de Vaud, na Suíça. Um cantinho simpático, apelidado La
Fraté, gerido e frequentado por uma juventude muito experta e disciplinada, fechava
rigorosamente às 23 horas. Por isso, tudo que por lá se fazia, havia que ser
intensamente. As noites de quarta-feira eram dedicadas à comunidade brasileira
(ou latina, nunca soube ao certo). De qualquer forma, os peruanos e os
brasileiros, naquele ano, eram os que mais se destacavam. Em certa quarta, lá
estava um violão muito animado, ainda que mal tocado, facto que não afetava a
animação ao soar tantas músicas de Jorge Benjor, e o violeiro só tocava Jorge Bemjor...
Era um tal de Te te tere tê que a todo instante se instalava entre uma Taj
Mahal e um Fio Maravilha... duas três canções e... Te te tere tê, trauteado por
todos, mesmo por gente de outras línguas. Em determinado momento, alguém
perguntou se não se podia emprestar o violão para o Abrahim, um rapaz do
Botswana, que tinha o estatuto de refugiado e que andava muito triste,
precisando urgentemente de uma distração. Ele ganhava setecentos francos suíços,
tinha onde morar, o que comer, onde estudar. Mas ele queria trabalhar. Andava
triste por se sentir um parasita que nada produzia. Uma vida muito diferente da
maioria dos imigrantes que lá estavam felizes da vida a cantar Te te tere tê
para olvidar a saudade e as privações de quem só vivia para o trabalho, na
esperança de amealhar para voltar à terra. Ao Abrahim foi passado o instrumento
que, prontamente começou a soar de maneira impecável. Em alto e bom tom
fazia-se ouvir por todas as mesas que aproveitavam para descansar a garganta de
tanto Te te tere tê. O violeiro inicial aproveitou o descanso para bebericar,
não sem certo amuo. Ele estava no maior embalo embalando a casa cheia. O
pretinho que não era o Zé da banda tinha uma voz maviosa e muito afinada com a
saudade, em língua inglesa, do seu canto africano, mas era pouco intensa e só
ouvida pelos que estavam sentados à sua mesa. Todo o salão ouvia, em silêncio o
som harmonioso e suave do violão tocando blues. Aconteceu que a sequência de
acordes que se ouvia era uma das preferidas do compositor brasileiro... não deu
outra! Enquanto o excelente músico cantava baixinho suas saudades, todos
nós... desfiávamos novamente o
rosário: Fio, Taj... e Te te tere tê...
Jorge Carlos
Amaral de Oliveira
Rio Branco, AC, um cantinho da Amazónia, trinta anos
depois.
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