Assim que cheguei a Portugal vi anunciado na programação da televisão local, o filme A Boceta de Pandora. O título não me importou, pois assim o conhecia desde que meu avô contou-me a história, não do filme, mas da mitologia grega que diz que Pandora libertou todos os males do mundo. Aos portugueses, o título não incomodava porque não haviam sido contagiados pelo termo utilizado com duplo sentido na canção A boceta de rapé, com a qual o cantor Mário Pinheiro fez grande sucesso, em 1902. Daí para cá o termo ficou associado ao órgão sexual não só da vovó referida na canção, mas de todas as mulheres e esquecido ficou enquanto o recipiente para se colocar rapé. Talvez, só meu avô e agora eu, que ainda uso o termo, pois não achei nenhum equivalente, para dar a devida graça à história mitológica, justo pelo tamanho diminuto. Vejamos por que: Se trocamos o termo por caixa, não sendo as d’água, de força ou de pecúlio, que precisam do complemento, várias imagens nos vem à cabeça; pode ser a caixa que embalava a geladeira nova, que é uma grande caixa, mas o termo caixão, na nossa língua, nos dá outra ideia e, uma geladeira num caixão estaria para ser enterrada, nova ou velha; pode ser uma caixa de sapatos; até mesmo a caixa que transportaram os exemplares do livro A Audiência dos Mortos, de João Veras, uma verdadeira pandorada, no movimento artístico cultural do Estado do Acre. Como chegarmos à ideia do tamanho de uma caixa ao dizermos caixa? A menor que visualizamos é a de fósforos, que vira caixinha quando a servir de instrumento musical de acompanhamento do samba e que é menor que a caixinha de música muito usada para porta-joias, mas ainda assim, é muito grande para portar todos os grandes males da humanidade, que só tem piada se for muito pequena, assim como os melhores perfumes estão nos menores frascos (e os venenos também). Caixa de pó de arroz. caixa de charutos, caixa de costura, caixa dos óculos... a mais pequena era mesmo a boceta de rapé, verdadeiras joias, frequentemente, de metal, ornadas de madrepérolas com ouro e prata, que os cavalheiros e as damas de bom trato portavam em quaisquer ocasiões. Ou, simples, toscas, de madeira ou cabedal, quando as damas ou os cavalheiros não eram tão bem tratados das finanças. Já houve tentativas de se trocar o termo por bolsa o que, no caso do filme de George Wilheim Pabst, em que a personagem se prostitui, até que... Bem, deixemos de lado as insinuações com a vovó do Mário. Mas no caso mitológico, não há termo mais apropriado. Caixinhazinha? Pequeníssima caixinha? Melhor deixar boceta mesmo, que é o aportuguesamento de uma palavra francesa, que por sua vez, vem do latim, buxis. Melhor deixar assim, mesmo sabendo que dela derivou a famosa buceta, nossa maior contribuição para o vocabulário fescenino, das mais simpáticas e a atuantes da nossa língua no Brasil, junto com a bunda do quimbundo e o caralho (o mastro da bujarrona, grande estaca, esteio) do português, que vem desde o grego passando pelo latim. Agora, vejam que ironia. Com a volta do hábito social de se inalar o rapé, não sei bem por que e como, os recipientes onde se comercializa e se armazena o produto são, em sua maioria, em forma cilíndrica. Uns tubos. Fálicos! E eu não fico pejado em dizer: A buceta virou um caralho!
No link a seguir, a
gravação de A boceta de rapé
https://www.youtube.com/watch?v=fLDFS8LqJno
Aqui, o Grupo Clandestinas cantam uma canção A boceta de Pandora criticando o machismo das mitologias
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