DEIXA EU TE CONTAR! Assim foi como foi de quando eu quis fazer a dedicatória de um livro de minha autoria ao Zé Pedro. E não consegui. “Mas porém contudo todavia” e entretanto, por se tratar de uma curiosidade literária, não contarei só para o amigo Zé Pedro e sim para quem quiser ouvir. É daqueles casos em que o criador não tem controle sobre a criação. Como é sabido, tudo pode acontecer num romance durante a sua feitura. A ideia surgiu depois da festa de lançamento do ‘Was Bach Brazilian? O Puto do Adufe ou o Inventor do Baião’, romance idealizado por Mucio Sa e posto no papel por mim, com a ajuda de praticamente todos os frequentadores do Tejo bar. Consta que fora a maior festa já vista em Lisboa com tal finalidade. A Fnac, organizadora do evento, deu preferência ao Bar do Teatro A Barraca, pois, se para o anúncio do Prémio Fnac/Teorema 2004, o auditório da loja ficou pequeno, imagina-se para o lançamento do livro. Que coisa mais linda! O Cristiano Holtz, ao cravo alugado pela Livraria, executava um Bach atrás de outro e como enquanto se ouvia Bach, não se podia entrar, ele foi obrigado a parar antes de terminar o repertório escolhido, já que o átrio e as escadas do teatro estavam abarrotados e até houve gente que desmaiou. Depois do cravo deu-se na ferradura. Quem quisesse dar uma canja era só colocar um chapéu de cangaceiro e executar um baião, de preferência, ou outro ritmo. Robson, um carpinteiro muito famoso em Lisboa, que é capixaba, mas só andava de alpercatas e chapéu de vaqueiro nordestino emprestou o chapéu. Mucio, o parceiro no livro e que também é músico dedilhou ao violão o Trenzinho Caipira, do Villa-Lobos, eu comecei a cantarolar e a cantora e pintora Mira, deu reforço espalhando a voz maviosa e maravilhosamente afinada dela por sobre e adentro a imensa e silenciosa plateia. O artista plástico António Ferraz puxou-me pela manga e disse lacrimejante: “Este é o dia mais feliz da minha vida.” Sua mulher Cidália Ferraz, sorria embevecida e não precisou dizer nada, abraçodada com o seu velhinho. Mira, vestida de baiana, vendia acarajé. Pensou-se que se tratava de encenação, mas não. Vendia mesmo. Além de cantora e pintora a Mira Fragoso tem outros dons. Vendia os famosos bolinhos da Bahia e ainda tinha como cunhã a cantora Glória Lopo, esta, baiana de verdade. Sérgio, o arrimo das noites pachorrentas do Tejo bar, começou a vender os livros e não deu para quem quis. Carlos Veiga até pensou em desfalcar o Tejo bar levando a prata da casa para vender os livros da Teorema. Claro que era brincadeira. E nem tinha cabimento. Onde já se viu! (Três anos mais tarde a Teorema seria açambarcada pela gigante Leya) E o Sérgio teria ficado esse tempo todo longe dos copos!? E do Tejo, que lhe salvara a vida, como ele próprio dizia! Às tantas, o Changuito, quem cuidava do espaço, pediu arreglo, fechou a casa e a festa se espalhou pelos becos e vielas de Alfama para terminar no Tejo bar, que se não salvou a minha vida também, deu-me imenso gozo e até hoje o trago comigo. Pela manhã, ainda no rescaldo da fuzarca, tomava o pequeno almoço com a escritora Marie Alix de Saint-Roman, que viajara de Sevilha a propósito, também ela personagem homenageada no romance. Foi aí que caiu a ficha. Uma festa linda daquela e não estava lá o meu amigo Zé Pedro, que estaria também aqui agora com a gente a tomar esse galão com torradas. Depois que Orfeu tangeu a lira, fui dormir chateado comigo: Puxa, nem mesmo uma personagem para lembrar quem era meu amigo desde criança ele e que nos deu um leito quando por cá, Mira e eu, chegamos na qualidade de imigrantes ilegais. Quem começou comigo e a Mira essa aventura chamada Tejo bar, organizando uma festa ainda maior que esta de ontem. Mas vocês não estão brigados? E daí! Tem mais gente com quem estou brigado e mesmo assim entrou no livro. Até o meu senhorio, que nos cobra o leito, entrou. Deixa estar! O próximo romance dedicarei a ele. Ao Zé, nosso salvador. Um outro salvador, o Paulo Tavares, diretor da Pousada de Juventude de Picoas, que nos deu boa guarida, ganhou um samba em agradecimento. O Zé vai ganhar um romance.
O
livro foi, dos meus, o mais vendido por causa do prémio e a flashada da Fnac; e
foi o menos lido por causa das complicações literárias. Reclamavam. E eu dizia
Quer leitura fácil vai ler Paulo Coelho. Perguntava Leu? Só a parte que eu
entro, diziam. Não tive pachorra! Muito cacete. Bem verdade que vivíamos numa
época em que tudo era muito apressado, muito lotado, muito corrido. Não era
como hoje que as pessoas tem todo o tempo e o espaço do mundo até mesmo para se
entreter com a leitura de Guimarães Rosa. Eu entendo os meus leitores, ou meio
leitores, afinal eu também ando apanhando com o Ulisses, do James Joyce. Três
vezes comecei e três vezes não passei da página cem, até que um joiciano me
disse que aquilo pode ser lido aleatoriamente. Pois para os meus quase inteiros
leitores prometo uma próxima mais acessível. Taí, farei um romance pimba (no
Brasil, brega), se não por cafonice, por simplicidade. E este será dedicado ao
Zé. Alguém diria É uma maneira de se fazer as pazes. Sei lá! Pode ser! Faltava
a ideia. O tema.
Luiz
Morgadinho, artista-plástico, colega da Rua Augusta e das feiras de artesanato,
onde vendíamos nossos desenhos (e já amigo) contou-me uma história do tempo em
que ele era crooner da banda punk
Bastardos do Cardeal. Conheceu um cantor que participava do movimento punk de
Coimbra que tinha uma voz descomunal. Um punkeiro de primeira, mas, quando
estava na vida social fora da margem, não conhecia ninguém. E também era
difícil reconhecê-lo em outros trajes e penteado. O jovem era filho do
embaixador mexicano e não queria problemas com o pai. Na bucha, eu disse Vamos
escrever isto. O Morgadinho topou. Faríamos as devidas mudanças para não se
identificar a personagem. Passou a ser o Gastão, filho de um embaixador da
Venezuela, país escolhido, não só pela relação migratória com Portugal, mas
também por causa da Arminda, uma amiga comum, que poderia nos dar as dicas da
sua terra de nascimento. Ficou assente que seria o mais pimba possível.
Morgadinho dedicaria de sua parte a quem bem entendesse e eu, já acertado,
dedicaria ao Zé. O Zé Pedro.
Muita
discussão, muita conversa... Lá por tantas feitas surgiu um Zé, protagonista,
atirando o Gastão para personagem central. Um Zezinho que nada tinha a ver com
o nosso Zé. Um Zezinho que poderia ser Juquinha, Ruizinho... mas calhou
Zezínho.
Mais.
Tanta conversa, tanta pimbalhada, que até os autores escritores se esvaneceram.
Apareceu uma personagem para se assumir como alguém que pudesse juntar toda
aquela parafernália e escrever uma história, de seu nome, Esteves, do
Morgadinho e Oliveira, de minha parte. Por via do enredo vimo-nos forçados a
fazer a dedicatória à tal personagem no livro ‘Punk, Rock & Cia. ou O
Grande Gastão - Um Romance Pimba por Esteves Oliveira’. Ao Zezinho.
O
amigo Zé fica para a próxima, ainda que já tenhamos feito as pazes.
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