terça-feira, julho 09, 2024

De como e porquê Paco trocou suas férias no Algarve por um clássico da Literatura

 



Francisco e, não consegui decifrar o segundo nome na assinatura, mas com a alcunha de “Paco”, tinha um trabalho na Espanha que lhe tomava muito tempo e ainda não rendia o dinheiro suficiente para umas férias no Algarve, coisa que todos os colegas já tinham feito. Certa vez, ganhou um gordo bônus e foi desta. Iniciou o périplo por Santiago de Compostela. Foi à Porto 2001; uma visita rápida a Coimbra e uma boa parada em Lisboa, antes da última semana reservada para o destino principal. Na pensão, conheceu uma rapariga sueca que retornava do Algarve. Loura, de olhos azuis, tez temporariamente vermelha... De virar a cabeça a qualquer mouro. Um idílio iniciou-se entre eles. Um romance muito rápido já que ela só ficaria um dia em Lisboa antes de voltar para a Suécia. Da noite passada na pensão, nada sei mas, ao balcão do Tejo bar, enquanto servia-lhe um uísque sem gelo, ouvia o seu lamento – E balcão de bar é como um confessionário.

- Que vergonha! – iniciou, procurando as palavras em português – O que primeiro atraiu sua atenção foi o facto de eu ser espanhol e ela é uma apreciadora das coisas de Espanha... Acredita que ela está estudando castelhano só para ler Dom Quixote no original? E “yo”... Eu...Eu nunca li Dom Quixote! Nem no tempo de escola. Que “verguenza!”

- Não liga pra isso, não,companheiro – disse procurando animá-lo – Eu enquanto português,nunca li Os Lusíadas e, como brasileiro, nunca li por exemplo,Casa Grande e Senzala... e não tenho complexo por isso. Ele insistiu. Arranjei-lhe um exemplar do clássico de Cervantes,em castelhano. Todos dias,às horas mortas, ele vinha ao Tejo bar, pedia um uísque sem gelo e punha-se a ler. Muitas das vezes, deixava-o sozinho. Quando voltava ao bar, lá estavam um conto para a bebida e o marcador algumas páginas mais adiante. Foi assim até ao último dia em que tinha que voltar para o trabalho e deixou o livro com uma dedicatória de agradecimento e, como gorjeta, o dinheiro que gastaria na estada no Algarve. Também “gracias” Paco. De como, já sabemos,  agora, o porquê, conjectura-se. Será que sim, será que não ou será que será? O que acham?

 

Esse exemplar do Dom Quixote ofereci-o ao cliente amigo do Tejo bar, Aguinaldo Parmejane, um sujeito tão quixotesco que, se fosse com ele a história,com certeza faria ainda mais.Aposto que ele seria capaz até de aprender sueco e ver todos os filmes do Bergman.


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