sábado, abril 12, 2025

Como poderei dormir...

Quando Etelvina acordou o marido para que ele fosse para o batente, tirou o homem de um sonho no qual ele vivia uma vida abastada e feliz com o dinheiro ganho ao acertar no milhar. Sonhos como esse contado no samba de breque de Geraldo Pereira e Wilson Batista fazem com que o sonhador sinta prazer em dormir na esperança de que sejam recorrentes. Mas... os pesadelos? Foi anteontem. Sonhei que a Anistia fora instituída e todos os que estavam presos tornaram-se símbolos de uma luta e fortíssimos candidatos a todos os patamares políticos eleitorais. Lula deixou para trás os candidatos Tarcísio e Nicolas que estavam separados, mas não conseguiu maioria nem na Câmara nem no Senado. Era tudo que se queria para virar o jogo sem precisar dar golpe. Primeiro, votou-se pelo afastamento de alguns juízes do Supremo. Depois, em ato constitucional, mudaram para o regime de monarquia parlamentar sob a égide do cristianismo neopentecostal. O príncipe de Vassouras assumiu a Coroa, sem problemas com seu irmão de Petrópolis que morrera misteriosamente, dias antes da proclamação do Brasil Reino de Cristo na Terra. Malafaia foi escolhido Primeiro Ministro. Dona Fátima, a cagona de Tubarão, assumiu a Casa Civil. Eduardo, Ministro das Relações Exteriores... Como em sonho as coisas se atrapalham facilmente, pulou para a declaração de guerra a Israel que não reconheceu a nova nação cristã e alguém do governo ligado a uma das igrejas que tem como dogma a certeza de que Cristo só voltará quando o sangue do último judeu for derramado lançou o grito de guerra... Acordei aí. E nem daria muita importância para tal sonho até que abri a internet e me deparei com a notícia desse dia: PL atinge 257 assinaturas para urgência da anistia. Durma-se com uma desta!

domingo, outubro 06, 2024

A brevidade da Felicidade ou as mãos de fada da Emília

 

Se não fosse o amigo Vitor falar-me sobre sua mãe, a Emília que, como ele diz, “não lia uma linha, nem escrevia um comboio”, mas sabia todas as receitas de cor,de tantas coisas boas que transmitia oralmente possibilitando assim que, hoje, ele possa imiscuir no trabalho da equipa da cozinha de seu restaurante, o Bem me quer Mal me quer e, mesmo com todo o brio profissional da Dona Rosa e o Vladimir aceitas suas opiniões, pois sabem que quem diz é quem bem ouviu, donde concluí, em pensamento que saber ler e escrever era somente para passar a receita à distância no tempo ou espaço... Ah! Se não fosse a história da Dona Emília eu estaria incorrendo na injustiça da memória que até então só lembrava da minha avó Sinhazinha, Dona Sinhá, de nome Felicidade e que me criou até a idade escolar,apenas porque ralhava muito comigo e porque fazia uns biscoitos de polvilho que tinha o nome de brevidade e que, iguais, nunca vi em sítio algum por onde andei. E, mea culpa, eu que até já me alimentei de livros que escrevia e vendia de mão em mão, de auferir alguns prêmios literários e que no momento escrevo mais um, meã máxima culpa, não me recordava de que foi ela quem me ensinou a ler e escrever e muitas das ralhas era para que eu pegasse direito na pena de pato ou que mantivesse o padrão do caderno de caligrafia e, fazer bem para depois comer brevidade.

Em tempo: Saber escrever é só para passar a receita. A arte de fazer é outra história.


domingo, setembro 29, 2024

Obrigado, Saramago

 

Poderia estar agradecendo a Érico Veríssimo, Miguel Torga, Augustina Bessa Luís, Craveirinha, Mia Couto, Jorge Amado, Vergílio Ferreira... a tantos outros mas, calhou a Saramago.

Desde pequeno que, na escola, nas rodas de amigos ou mesmo por desconhecidos, sou gozado ou “corrigido” por dizer Nobel bem aportuguesadamente como manda a regra mneumónica do Rouxinol, que diz que para ser paroxítona terminada numa dessas letras, tem que levar acento. Porém, a maioria diz Nóbel, justificando essa mania que parece que só os brasileiros e os portugueses têm de querer dizer os nomes próprios como são falados no original, mesmo os nomes cujos fonemas não tem registo na língua portuguesa e nos obriga a muita careta e arranhar da garganta. E nem adianta alegar que o Mário Quintana garantiu que em sueco, Nobel é Nobel mesmo. Como as notícias chegam-nos através de agências de língua inglesa que não tem a mesma preocupação, reproduz-se segundo esta.

Até que... finalmente chegou a vez da lusofonia. Também tenho um! O prémio é meu, falo do jeito que quiser:

Nobel, Nobele, Nobé, Nóbi, Nober...


domingo, setembro 22, 2024

O atleta

 

Era uma vez, num futuro não muito longínquo, uma Corporação que cresceu em torno de um grande mercado de valores e veio a registar uma das maiores rendas per capita do globo corporativo. Apesar de nela morarem algumas das pessoas mais creditadas do Sistema Distribuidor de Créditos, seu mais conhecido representante era um atleta que, nos últimos Jogos, bateu um recorde acumulado de muitos anos e, de momento, todas as suas medalhas electrónicas de crédito instantâneo estavam sendo contestadas pelo comitê intercorporativo, em audiência interna.

A acusação: ter negligenciado seus compromissos profissionais não tomando a droga prescrita pelo laboratório, seu patrocinador.

- Pela manhã, deixei a droga diluída num copo d’água, na mesa de cabeceira – explica o Atleta – Tomei-a quando voltei do pequeno-almoço.

- E como explica que em todas as análises não foi encontrado nenhum vestígio e o mesmo na contra-análise?

- Tenho a minha consciência tranquila. Bebi a água. Não dei por nada porque, como todos sabem, essa substância é insípida e... Bem, a única explicação que posso dar é que a camareira do hotel, ao fazer a arrumação, tenha derramado o copo e colocado outro com água pura.

- E porque ela faria uma coisa destas?

- Por acidente. Sei lá eu!

- Ou por sabotagem. Vamos averiguar. Ela pode ser uma agente de um outro laboratório. – o presidente da mesa está nervoso – O facto é que estamos num quiproquó daqueles. Não podemos legitimar a vitória, pois não temos como satisfazer as exigências do patrocinador, que é a propaganda do seu produto. Por outro lado, não podemos tirar-lhe as medalhas alegando que você não tomou a droga. O patrocinador ficaria desmoralizado. Afinal, tantos créditos gastos e...

- Podemos anular as vitórias por outro motivo. – tranquiliza um dos membros do comitê – Tenho conhecimento de que durante os preparativos dos Jogos, o atleta cometeu uma falta imperdoável para um profissional de altíssima competição. Fez uma exibição desonerada. Não recebeu um crédito sequer. Não foi assim, meu jovem?

- Bem! Foi na minha corporação natal. Recusei os créditos que os organizadores ofereciam, mas não corri de graça. Tive a minha paga.

- Como assim?

- Essa minha terra é uma corporação daquelas criadas por uma grande superfície comercial, mas que tem uma área em estufa para experiências agrárias anciãs onde cultivam uma planta com o nome de trigo e com ela fazem uns pãezinhos que são uma das atracções turísticas da região, dos quais eu gosto muito, mas são muito caros. Portanto, eu troquei os créditos de minha apresentação pelo equivalente em pães.

- Senhores! – o presidente levanta-se com ares de quem está prestes a pedir demissão do cargo – Os senhores não percebem a gravidade da situação. Temos motivos para castigar o atleta, mas, o que dizer à opinião pública, aos consumidores? Todos viram os feitos do atleta e quererão saber que droga ele tomou, como ela se processou no metabolismo na altura da prova, enfim...

 

Como ficou resolvida a questão, sinceramente, não sei. O que sei é que muito tempo depois restou a Lenda do Atleta de Pés Alados, que dizia assim: Era uma vez, há muitos e muitos anos, um atleta que parecia ter asas nos pés e que se alimentava só de pão e água...

 

Lisboa, 2000

(Em lembrança de Jim Thorpe e de outros desportistas injustiçados)


domingo, setembro 15, 2024

O incorruptível almeida

Mais do que as taxas, chateiam-nos a espera e a burocracia dos serviços públicos, o que nos leva, às vezes, a lançar mão de alguns subterfúgios. Foi o que aconteceu comigo a quando das obras na nova casa velha de Alfama e que me deixou duas noites sem dormir e a pensar que teria sido bem melhor ter arcado com todas as chatices da legalidade.

O encarregado da reforma juntou o entulho em sacos plásticos, empilhou-os à porta e disse-me que desse uma gorjeta para o lixeiro que, com certeza, levaria junto com a recolha diária. Relutei e até pensei que seria má ideia mas, ao ver o gari, ao longe, lembrei-me de uma vez que ele, ao entrar no Tejo bar para pegar o saco de lixo e um cliente ofereceu-lhe uma bebida e ele recusou dizendo que não bebia e, conversa vai, conversa vem, o cliente ao saber dos apuros que ele passava com a doença da mulher, deu-lhe uma boa quantia que foi agradecida em típica cena de noites ébrias entre abraços e olhos mareados. Não briguei mais com a consciência e passei da intenção ao acto. Discretei a nota e fiz o pedido.

- Só lixo doméstico! – taxou com um abano de cabeça e com uma cara que por si só já me deixaria uma noite inteira de insônia que duplicou quando, ao  aperceber-me que da outra vez, fora uma prenda,um agrado, uma ajuda... desta, o nome era outro... apresentei minhas desculpas que foram recusadas juntamente com o aperto de mão.

Durma-se com uma destas!


 

segunda-feira, setembro 09, 2024

História e histórias

 

História e histórias

 

O meu amigo Horácio bem poderia ser chamado Homero ou até mesmo Heródoto porque, vai gostar de história assim, na China, ou melhor, na Grécia Antiga. Um dos temas que mais lhe atrai a atenção é a origem dos nomes das terras. Duas histórias a esse respeito vou contar mas, alerto ao ouvinte ou leitor que, a história contada pelo Horácio é como a dos outros dois e a de outros historiadores, é cheia de histórias.

A primeira, conta que uma nave portuguesa ao passar pelas Caraíbas, deixou em uma das ilhas quatro tripulantes que haviam contraído escorbuto. Como a ilha era farta de frutos, os quatro escaparam à morte. A nave, ao passar novamente pela ilha e diante do facto, baptizou a ilha de Curação. Os espanhóis, na senda dos portugueses, tiraram-lhe o til e os holandeses desnasalaram de vez o vocábulo, dando no que é hoje, Curaçao.

A outra deu-se na costa de África. Conta o Horácio que um outro navio português ancorou num sítio muito a ermo, a procura de água. A tripulação encontrou um ermitão que, apesar de viver isolado e de não falar nada, era muito solícito e amigável. Mostrou aos portugueses as melhores fontes e ajudou a carregar víveres para a embarcação. Um homem preto como a noite, muito grande e forte que foi logo baptizado de Zé e, sempre que os portugueses passavam por perto do tal sítio, diziam: “Vamos lá no Zé Negão!” Os ingleses e franceses, na senda dos portugueses e espanhóis, não tinham o jeito e ficou, Senegal.