quinta-feira, outubro 13, 2016

Descobrindo-me

Descobrindo-me 
(sempre é tempo) 

Tem homo... tem hétero... 
Tem bi... também trans... 
Tem até simpatizantes 
Mas eu 
Eu sou mesmo é sem vergonha

domingo, setembro 04, 2016

Maria das Canjas

Era uma vez uma cidade em que era proibido roubar galinhas. Nada de mais, já que em quase todas as cidades que conhecemos, o roubo de galinha, e não só, é proibido. Porém, nesta, nunca ninguém havia sofrido qualquer punição por tal crime. Devido à origem do nome da cidade, Aleluia, cujo Sábado, por tradição é facultado o assalto a galinheiros, faz-se vista grossa para tal prática. Prática democrática, diga-se de passagem, já que fosse rico ou fosse pobre, ninguém ia para a cadeia por isto. Se bem que aos pobres tornava-se quase impossível atacar os galinheiros. Só os ricos e os remediados é que possuíam a manha e os meios para burlar vigilâncias e transpor os muros e as cercas eletrificadas dos ricos e dos bem remediados que tinham galinheiros. E por que os ricos e os bem remediados é que criavam galinhas? Na verdade aquela terra era muito boa para o milho. Só vendo! Cada espiga! Mesmo sem serem transgênicos é cada milhão deste tamanho! E só com a produção aviária é que se podia obter o subsídio para os milhões. Os caroços pequenos iam para os que não tinham galinhas.  São os meandros da Economia. O que não vem ao caso. O que importa mesmo é a dona Maria das Canjas. E aqui é que deveria estar o “Era uma vez”. Pois, vamos lá!
Era uma vez uma senhora que por sua vontade de ajudar aos menos afortunados chegou a alcaide de Aleluia, ou alcaida, como ela preferia que fosse nomeada, já que se tratava da primeira mulher a ocupar o cargo mais alto da cidade. Alcaidessa poderia confundir com a mulher do alcaide e nem marido tinha ela que ocupava todo o seu tempo a preocupar-se com a canja que sempre oferecia aos que mal comiam o milho miúdo e às vezes nem isso. Essa preocupação rendeu-lhe o nome, o cargo e as intrigas por parte dos ladrões que faziam do roubo das galinhas um negócio muito lucrativo. Tramavam pelos corredores:
Isto de canja para os pobres tem que se acabar! Onde já se viu! Galinha de graça! Quem quiser um bom pirão tem que pagar! Eu vendo! Onde isto vai parar!?  ...
Mais que as intrigas, crescia o ódio. Um ódio que se propagava através de falsas notícias. Dizia-se que sua intenção seria acabar com os galinheiros e depois tentaria implantar o vegetarianismo, quando a todos só restaria o carolo do milho.
Aconteceu que a reserva de galinhas destinadas à canja começou a escassear e antes que se esgotasse de vez a alcaida viu-se obrigada a lançar mão da prática tão comum. Bato na boca três vezes, mas digo que parece que foi a propósito que deixaram as portas destrancadas e a eletrificação desligada para facilitar a tarefa da Maria das Canjas. Porém a doutora Januária, a quem ninguém prestava homenagens, mas que não saía da janela, viu. Gritou: “Pega ladrão!” Pegaram. Seria julgada, afinal, era um crime. Estava gravado nas tábuas da lei.
As paredes dos corredores novamente ouviam tramas. Não pode ser condenada! Abrirá jurisprudência! Essas coisas que só os advogados e os ladrões entendem, mas que dá para se perceber que se depois de alguém sofrer pena por isso, ninguém mais poderia fazê-lo.
- Estejam tranquilos. – disse calmamente o vice alcaide – Não temam! Depois, a gente muda as regras.


Não deu outra. Dois dias depois da condenação da mulher, o arauto do alcaido, como ele preferiu ser chamado, ditava. “Tendo em vista as tradições religiosas de nossa boa terra, a partir desta data, fica decretado que o roubo de galinhas é descriminalizado. Portanto, cuidem de seus galinheiros porque em Aleluia, todo dia é Sábado!”

quinta-feira, janeiro 28, 2016

Eu vi um médico chorar.

Eu vi um médico chorar. 
Primeiro, atrapalhei-me com o mecanismo de revestir o guarda-chuva junto à escada rolante. Fiquei boquiaberto com a destreza da velhinha que, com um só movimento executou a ação que eu, depois de estragar dois sacos plásticos, só consegui finalizar com as mãos a colocação da grande camisinha para que os pingos comuns lá de fora não impregnassem o piso impoluto daquele shopping da Zona Sul do Rio de Janeiro. Fiz o que devia fazer. Antes de sair, fui ao banheiro e, logo de cara, espantou-me a qualidade do papel higiênico, as toalhas descartáveis, os protetores sanitários... A limpeza! Parecia uma sala de cirurgia. Aí, lembrei-me do médico que vi chorar. Numa manifestação por melhores condições de trabalho, dizia ele, aos borbotões: “Não temos gaze!” 
                                                                           (Oliveira de Castela)

terça-feira, dezembro 08, 2015

Roll

Nem todo tango é argentino
Nem todo fado é lusitano
Nem todo blues veio da África
Nem todo flamenco é cigano
Nem todo samba é brasileiro
Nem todo rock é marciano

terça-feira, agosto 11, 2015

Cada um faz a sua parte


Rio Branco está parada. Todo mundo parou em solidariedade aos professores. Só quem se move é o Sindicato e os voluntários que colaboram no esforço de greve. A cozinha n’O Casarão não descansa no fornecimento de marmitas, cujos ingredientes vêm de todo lado: do comércio local, das hortas domésticas e até das doações da última enchente, que estavam estocadas não se sabe por quê. Eu estava indo a pé para o centro, pois os ônibus não prestavam o serviço essencial já que ninguém ia para o trabalho e os poucos que rodavam era para levar professores para a manifestação em frente ao palácio do governo, que estava em pulgas e não conseguia dormir desde que anunciou que cortaria o ponto dos faltosos e mandaria embora os de contrato provisório, o que fez com que toda a sociedade se manifestasse, começando pelos estudantes, passando pela polícia que cruzou os braços e chegando até aos hospitais, onde os médicos só tratavam os casos mais urgentes, muitos causados pelo sol e o fumo das queimadas, os únicos elementos que não aderiram ao manifesto e continuavam a maltratar a multidão que aguardava o comunicado do porta voz governamental. Eu não via a hora de ver a cara do governador. Andava o mais rápido que podia sob o calor e a fumaça... Ia todo contente... Aí, o menino Juan abriu a porta do quarto e eu acordei... tossindo e todo suado.

Foto: Everton Damasceno/ContilNet

sábado, julho 18, 2015

Síntese


Então, a Grande Mãe moldou o barro em pequenas partículas, deu-lhes o sopro da vida e vaticinou:
- Evoluam, minhas filhas!

quarta-feira, maio 20, 2015

Enquanto há o medo

Enquanto há o medo 
(História de um dueto inusitado)


Johann Gottfried Müthel podia ser assim por ter tido o pai como o seu primeiro professor; por, já aos dezenove anos de idade, ter sido organista da corte e cravista pessoal de Christian Ludwig II, o Duque de Mecklenburg-Schwerin; ou ainda, por ter sido o último aluno de Johann Sebastian Bach; por ser considerado o melhor executante de clavicórdio de sua época; ou, ainda mais, por estar vivendo em Riga, nos confins do Império Russo, tão longe dos centros musicais em voga na Europa. Porém, ele era assim porque era. Vai-se lá saber o motivo. Era assim! Tinha muito mau feitio. Se bem que o seu temperamento e seu comportamento extravagante não eram de se estranhar por serem tão comuns à maioria dos virtuosos. 

Pois, por vingança filial, vaidade profissional, orgulho do aprendizado ou raiva do destino, o fato é que ele era muito rigoroso nos contratos artísticos. Uma de suas exigências era a de silêncio absoluto em suas apresentações públicas e por isso só se apresentava quando havia neve, o que fazia com que um concerto seu fosse quase uma impossibilidade e a audiência fosse ainda mais reduzida já que com a neve aumentam as constipações. 

Para que este caso se sucedesse, três personagens tem que entrar na história: Marie-Alix, uma poeta de terras de França e, anônimos, dois noviços. Os dois religiosos exerciam as funções de sineiros do grande campanário da grande igreja da pequena aldeia onde o caso se passou. Um deles só queria saber das guloseimas convençais; o outro, o magro, só pensava no dia em que teria autorização para tocar o carrilhão. Quanto à poeta, esta caiu nas graças do alcaide que tudo fazia para agradar a visitante que lá estava de passagem e manifestara o desejo de ouvir o famoso clavicordista. 

Assim foi. O alcaide mandou vir de Riga, a peso de ouro, o talentoso músico. Mas o tempo também tem os seus caprichos. Naquela noite, a neve teimava em não cair. O desespero do alcaide só cessou quando soube que em um povoado serrano, a menos de meia légua dali, as ruas já estavam atapetadas de branco. 

Um concerto de clavicórdio é um exercício também para a audiência, que grande esforço há que fazer para sentir todas as nuances do instrumento. O ouvinte se cansa quase tanto quanto o músico que tem que ter muita concentração e destreza para oferecer todos os harmônicos e vibratos que compensam os esforços dos dois lados. 

Uma carruagem desgovernada adentra a aldeia. Todos os passageiros estão mortos. Prontamente exige-se que o sino toque a rebate. Pela precariedade da velha corda ou pelos quilos a mais do noviço que gostava de doces, o sino não chegou a dar três ou quatro badaladas. O magro, que se magoou menos com a queda, rapidamente correu para o teclado do carrilhão. Porém, não desatou a tocá-lo apenas para chamar a atenção da população. Era o seu tão sonhado momento. Fez sim um grito de alerta. Angustiante. Tenso. Mas musical. 

O músico, impassível, deixa de tocar a sua obra para responder à melodia que o vento lhe trazia de longe. Porém, sinos àquela hora da noite, não importava se harmônicos ou não, eram sinal de perigo. O alcaide foi o primeiro a abandonar o recinto, levando junto a sua hóspede, que saiu arrastada, pois, como artista que era, não queria perder a poesia daquele encontro dos extremos. Debandada geral. O improviso musical durou quase toda a noite, enquanto cada um tratava de si. Da audiência, apenas ficou para ouvir tão desconcertante concerto, o Cristiano Holtz, que foi quem me contou a história.

(Publicado no número 12 da Revista Via Latina, da Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra.

quarta-feira, maio 06, 2015

Daimónico à solta

Cantiga de escárnio e mal dizer com um pocochinho de humor negro sobre as batatas transgénicas, por Filomena Cabral, Isabel Figueiredo e eu, que começou com o mote “Mortalhas de couratos e lombinhos de papelão” 

Tais batatas, diz Bruxelas
São para dar aos suínos
E para fazer papel
Ora, o porco a gente come
E o papel também se fuma
Mas com tanta transgenia
Não demora muito tempo
A gente inverte a fasquia

Se o porco a gente come
Apesar da transgenia
Um dia há-de chegar
Em que o bicho grunhirá:
"Poupa-me, sou tua tia!"

Se o bichinho é minha tia
Não lhe vou passar a faca
Com prazer, isto faria
A uns certos filhos de vaca.

Misturados à manada
Não há sorte que nos valha.
Ainda que rejeitemos
Tais lombinhos guarnecidos
De couvinhas de Bruxelas,
Ninguém nos livrará - ó bichos -
De usar a mesma gamela!

SUKIAKI É O...

SUKIAKI É O…

Versão Tejo bar da música “Ue o Muite Arukou”, de Rokusuke Ei/Hachidai Nakamura que fez grande sucesso mundial na década de 60 e ficou internacionalmente conhecida pelo título dado pelo mercado estadunidense que na dificuldade(?) de falar o nome original, chamou-a de Sukiaki, que é um nome de comida e nada tem a ver com o original.

Você vai caminhando
Sempre a olhar o céu
P’ra não deixar
Rastro do choro
Pelo chão onde pisou
Isso é ilusão
Abre o coração
Olha p’ra frente. Já passou

Se ela não o quer
Esquece essa ingrata
Siga o seu caminho
Vá comer pastéis de nata

Você vai caminhando
Sempre a olhar o céu
P’ra não mostrar
Que nessa história
Você ficou tão “down”
Deixa de bobagen
Faça uma viagem
Ou vá comer um bacalhau

Se ela não o quer
Deixe lá, cague nisso
Siga o seu caminho
Vá comer pão com chouriço

Se ela não o quer
E você sentiu o baque
Siga o seu caminho
Vá comer um Sukiaki

Se ela não o quer
E você ficou na mão
Encha a sua pança
Vá-se embora p’ro Japão

Ue o Muite
Arukou
Namida ga
Koborenai yoni
Omoidasu
Haru no hi
Hitoribotchi no Yoru

quarta-feira, abril 08, 2015

Jardim Kafkiano/Swingreen

Jardim Kafkiano

Tempos atrás, observei que o manacá andava a roubar o cheiro das flores da laranjeira. Não me incomodei muito, pois poderia ser algum tipo de mimetismo odorífero ou simples impressão minha. Depois descobri que as laranjas na nova safra tinha o gosto das mexericas. Fiquei mais atento e comecei a perceber que a mexeriqueira está tomando a forma da touceira de bambu, como mostra a foto (quem quiser comprovar os outros dois fenômenos é só aparecer cá por casa). Eu desconheço a Botânica e não sei se tem a ver com o espaço reduzido do jardim ou se trata de algum tipo de Mensalão vegetal. 
Jorge Carlos



Swingreen...

Manacá apaixonou-se
pelo olor da laranjeira.
Ficou no cheira e não cheira...
Numa noite transmudou-se
e roubou cheiro agridoce.
Não se fez, pois, de rogada
a laranjeira roubada;
tentou ver como é que fica
com sabor da mexerica
de bambu já disfarçada...

Ronaldo Rhusso

segunda-feira, março 30, 2015

sábado, fevereiro 21, 2015

Um...

Um... 
Dois
Dois uns
Com dois, três
Na sequência, cinco
Fiz oito e mereço um... biscoito

(A Marcos Flávio, meu primo poeta, que anda às voltas com o FIB) 


Tu
és
de fato
impagável!
Mereces biscoito
meu muito querido Mané

Ronaldo Rhusso

terça-feira, fevereiro 10, 2015

Reflexões quase vagabundas

Uma poeta chamada Iza.
Essa sim, é poet’Iza.

À sombra de um chaparro ou à beira de um igarapé:
Às vezes, a gente erra; e, muito menos vezes, se acerta.

Algarvias:
Medronho, dá um porre medonho.

Queria, como Pessoa, poder dizer que a minha pátria é minha língua, mas eu a maltrato muito. Portanto, digo: Minha pátria é o que piso.

“Quem canta, seus males espanta”
Não sendo o pulmão ou garganta.

Quem canta mal, espanta os vizinhos.

A ideia é fixa, os delírios tremem

Cavalo sem asas não vai a lado nenhum.

Moleque do avesso anda sem camisa.

Amor é muito bom, mas amor com sexo é bem melhor.

domingo, janeiro 04, 2015

Água ou vinho

Ao saber que o vinho seria pouco para tantos convidados, Jesus pediu que enchessem as taças com a água da cacimba que, mesmo salobra e um pouco barrenta, logo se transformou em bom vinho. Tomé reparou no copo de Jesus e disse:
- O Mestre não mexeu na sua água ou muito me engano?

- É branco! – disse Jesus, baixinho – Vai bem melhor com o peixe. 

domingo, setembro 28, 2014

Troca-troca do Zé Mosquito

A rimar, chamo a atenção
Sem me fazer de rogado
Para esta grande alegria
Que está bem ao seu lado
Cá, no Bar do Zé Mosquito
A cesta de livro usado

A nossa cesta é de trocas
Junta o lúdico e o didático
Pra não deixar que seu livro
Na estante, fique estático
Traga alguns para trocar
Isto é um ato bem simpático

Troque Machado por Coelho
Amado por Alencar
Cecília por Coralina
Vamos brincar de trocar
O livro não envelhece
Se não se para de usar

Aparte todo esse escambo
Também lhes chamo a atenção
Que podem oferecer
Seus livros, em doação
Para suprir a carência
Da rede de educação

Aproveite bem a deixa
Para outra coisa fazer
Procure lembrar agora
Do que pegou para ler
Que, sendo livro emprestado
Se esqueceu de devolver

Se no vai e vem da vida
Já não é bom estudante
Vá à Lua com o Verne
Vá ao Inferno com Dante
Mas não deixe que seu livro
Seja ornamento de estante

Você gostou do Quixote
Outro também vai gostar
Ainda não leu Guerra e Paz ‘
Tá na hora de trocar
Dê combate à carestia
É o toma lá e o dá cá

Na escola muda-se a classe
Os livros não são iguais
Português e Matemática
Conhecimentos Gerais...
Traga ao Bar do Zé Mosquito
Os que não utiliza mais

Traga tudo para a praça
De segunda ou de terceira
Mas, fazendo o troca-troca
Cuidado, não faça asneira
Não vá trocar, por engano
Seu livro de cabeceira

                       Jorge Carlos



Adaptação dos versos que fiz para uma Feira de Troca, organizada pelo Grupo Sacy, em Rio Branco, AC quando foram cantados (e bem cantados) por Cícero Franca.

Na Estalagem do Lolô

No Lolô
Tem águas das boas
A de todos
E a que passarinho não bebe
Também tem passarinho
Tem flores
Jabuticaba
E muito mais
Nem precisa muito na algibeira

É longe! É longe
É no Vale das Videiras


Para ver mais, clicaqui.

Melhorias

Homem era tudo igual!
Um deixou de ser.
Eu mudei à beça!

sábado, setembro 20, 2014

Emanuel, o mendigo festeiro

Emanuel era muito querido. Vivia cercado de muita gente. Também de alguns que não lhe largavam o pé, mas que não lhe incomodavam, pois partilhavam gostos e interesses. Tinha certos dons que poderiam fazer dele um homem muito rico. Muito mais rico do que conseguiria ser exercendo a sua profissão. Sim, ele tinha um ofício que aprendera com o pai, mas preferiu a vida mais simples da mendicância, que lhe era tão fácil que nem precisava pedir, visto que em toda parte havia quem carecesse dos benefícios dos seus dons. A troca se fazia naturalmente e ele aceitava de bom grado fosse o necessitado um pobretão ou um ricaço. Uma galinha para dividir por doze ou um banquete era aceite com a mesma alegria, mais pelo benefício concedido que pelo recebido. Mas que ele era chegado a um bom rega-bofe, isso era! Não pensava duas vezes ao receber um convite para uma festa de casamento, um velório ou uma ceia. Certa feita, foi com tanta vontade à mesa, que o anfitrião o repreendeu por não ter lavado as mãos como era o costume naquela terra. O homem levou com uma na testa que nunca mais chamaria a atenção de alguém mesmo que esse alguém comesse num chiqueiro. Uma boa festa não se podia perder, tanto que num casamento, diante da lamentação dos donos da casa de que o vinho seria pouco para os convidados de última hora, ele resolveu logo o problema com as moringas d’água. Mesmo sem festa ou solenidade, ele não gostava de ver barriga vazia. Conta-se que numa palestra das que gostava de proferir em suas andanças, o sermão havia se alongado em demasia e o povo que era muito reclamou que a comida era pouca, ele também resolveu aplicando os seus dotes naturais. Mas, uma vez, ele passou das medidas. Vou contar como foi, que me contaram. Emanuel tinha sido chamado para um velório que aconteceria numa terra em que o costume era servir-se acepipes e bons licores aos participantes. Porém ele estava assediado por uma horda de necessitados e só conseguiu se desvencilhar quase uma semana depois do enterro ter-se realizado. Ele não conversou. Ressuscitou o homem e fizeram uma festa dupla.

Escrevi pensando no Ronaldo Rhusso que não pensa duas vezes em fazer bem o bem.

Jorge Carlos


Petrópolis, 20 de setembro de 2014

quarta-feira, setembro 17, 2014

POEMA VIVO (livro)



 (Dedicado a Maiara e João, resultado de tantos poemas)


Meus poemas sempre foram,
ainda que mal escritos,
foram poemas de luta.

Sem falar de flor ou de amor.
Falavam de pão e chão.

É assim que sempre foram.
Foram poemas de luta,
ainda que mal escritos.

Um dia, eu encontrei
alguém que também lutava.
Que não fazia poemas,
mas que lutava e lutava:
Lutas de Classes.
Lutas de casa.
Lutas de lutas.
Até por mim, também lutou...
E, para ela, Poema Vivo,
bem ou mal, eu escrevi
tantos poemas de amor.


NO CASAMENTO ERA ASSIM...


COMO NA CANÇÃO

O amor que sinto por ti
não tem a bossa dos dissonantes.
Seu tom é simples,
terno e pungente
como um Lá Menor.
Às vezes, explode
franco, alegre e forte
como um Dó Maior.
...Acidentes embelezam sua melodia.


O MELHOR DA MINHA VIDA EM TRÊS ESTROFES

Eu saí de casa cedo
Sem rumo e sem dinheiro
Dei adeus à minha terra
Meu belo rio de Janeiro

Andei todo este país
Fui até ao exterior
Procurando uma cabrocha
Pra lhe dar o meu amor

E foi nas bandas do Acre
Que um dia encontrei
A morena mais bonita
E com ela me casei


QUANDO LONGE DA MORENA

Um rio brota nos meus olhos
quando lembro da morena.
Tão distante,
tão saudade,
que a viola me tem pena.

E essa dor
que no meu peito aperta,
sempre desaguando,
é dor constante.
Esse rio
nunca seca
pois, na morena,
penso a todo instante.

Se eu tivesse
um barco de papel
bem pequeno,
bem menino,
desse meu penar,
eu tiraria o véu.
Nesse rio,
também eu, um pequenino,
não navegaria ao léu,
pois teria na morena
o meu destino.


CIRANDA DA ESPERA
(Por ocasião das lutas pelas “Diretas”)

Cantando esta ciranda
Vou até o sol raiar
Vou cantar esta ciranda
Até meu amor chegar

Esta ciranda
Linda é minha, é tua
Esta ciranda
É do povo na rua

Cantando esta ciranda
Vou até o sol raiar
Vou cantar esta ciranda
Até meu amor chegar

Esta ciranda
Eu canto a noite inteira
Para alegrar
A Nação Brasileira

“Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar...”


TROVAS DE AMOR E SAUDADE

Quando me encontro distante
Daquela que tanto amo
Sou qual flor desfalecida
Que desprendeu-se do ramo

Meu corpo todo se agita
À simples lembrança tua
Deitada juntinho a mim
E... completamente nua

Meu amor vive no encanto
De estar nos braços teus
Também na saudade tua
Tão longe dos olhos meus

Iria ao encontro dela
Se fosse fácil voar
Mas, voar é com os pássaros
... Por ela, fico a esperar

O cheiro dessa morena
O néctar de sua flor
A textura de seu corpo
São meus venenos de amor

A saudade me tortura
E triste é minha canção
Só tua volta trará
Descanso ao meu coração

Teu corpo é uma linda flor
De um aroma precioso
De pétalas tão sedosas
E néctar delicioso

Os astros todos espiam
Um homem... uma mulher...
Fiquemos sempre juntinhos

Dindinha Lua assim quer


UMA CARTA DE AMOR


Se meu amor por Normélia
For a mais braba doença
Eu não quero nem pensar
Na tal da convalescência

E, se um dia, eu ficar bom
Cicatrizando a ferida
Vou fazer estripulias
Para ter a recaída


MOURÃO DE GRATIDÃO

Esta viola de fita
Que eu toco a toda hora
‘Tando aqui ou indo embora
Torna a vida mais bonita
Cada nota nela escrita
Chega a cada coração
Acabando a solidão
Pro mundo ser festejado
Isso é que é mourão voltado
Isso é que é voltar mourão

Pro mundo ser festejado
Isso é que é mourão voltado
Isso é que é voltar mourão

Levo a vida ao deus-dará
Vagando léguas e léguas
Em caminhadas sem tréguas
Mas, por mais longe que eu vá
Sempre tenho a quem voltar
Mesmo com chateação
Me recebe com emoção
E me sinto consolado
Isso é que é mourão voltado
Isso é que é voltar mourão

E me sinto consolado
Isso é que mourão voltado
Isso é que voltar mourão

Penso com muito carinho
Em minha amada que é Normélia
Que é dália, rosa, é camélia
Flores que formam um ninho
Onde findo o meu caminho
Surrado por muito chão
Sinto minha gratidão
Por berço tão adornado
Isso é que é mourão voltado
Isso é que é voltar mourão

Por berço tão adornado
Isso é que é mourão voltado
Isso é que é voltar mourão


DE NOME ESQUECIDO E CHEIRO LEMBRADO

N o meu longo caminhar
O nde só havia espinho
R ecebi luz dos teus olhos
M e alumiando o caminho
É s como um buquê de flores
L ibertando-me das dores
I ncerteza e dissabores
A dornando nosso ninho


Não sou o experto que pensava ser.
Apenas um bobo apaixonado
que, como todo romântico.
qualquer mulher faz-lhe o que quer.
Ela
é a Chica-que-manda
e eu,
o seu Contratador-sem-diamantes.
... Atropelou-me
como uma jamanta!
Mas meu amor por ela
é Prometeu Acorrentado.
Resiste.


Sentado no beiral da ponte,
pensei...
Ouvi o rio,
seu murmúrio.
Vi os barcos ancorados,
outros vagando.
O rio falou mais alto...
Ele transporta vida.
Em seu leito
há vida.
Choramos
quando algum rio é envenenado,
fazemos passeatas.
O próprio rio
com seu movimento
parece estar vivo
e não apenas ser
um composto químico inorgânico
seguindo um declive.
Não, ele todo nos mostra
vida.
Não deve ser berço
para a morte.

Por covardia ou coragem,
aqui estou escrevendo.
Uma coisa é certa.
Não é o rio
que tem que dar um jeito
em nós dois.

... E VEIO A SEPARAÇÃO


É de noite,
em minha vida
se faz dia.
Não durmo!
Espero.

Seu sol laborioso
será minha noite ociosa.
E o dia
que a acorda tão de repente,
faz o meu morrer devagar.

Deixo de pensar nela
para  com ela sonhar.



GALLARDA CELOSA
(Por causa de um espanhol)

Minha vontade, agora,
mais que fazer um poema
ou desfazer o dilema:
Ir pro bar
beber.
Descambar,
morrer.
Recordar,
sofrer.
E, quiçá,
viver.
Minha vontade, agora,
mais que fazer gallardas;
da vida, dar gargalhadas;
sair numa “flamengada”.
Minha vontade, agora,
era mesmo dar porrada.

AINDA POR CAUSA DO ESPANHOL

O muito que aconteceu
Muito pouco me doeu
“Usted quitó la alianza”
Balançou minha esperança



Todo saber da ciência
neste meu caso é em vão.
Toda filosofia...
Um bom papo
já tentei.
Fazer cenas
foi inútil.
Estou mesmo carregado,
cagado de arara,
com peso, um encosto,
azarado.
E, apesar
da minha ligeira inclinação
pro Marxismo-Leninismo,
vou acabar mesmo
partindo pra metafísica,
para o sobrenatural.
Vou fazer mandinga,
seguir as receitas de São Cipriano,
subir de joelhos a escada da Penha,
acender uma vela pra São Jorge,
benzer-me na igreja do Bonfim,
fazer romaria no Juazeiro
e visitar a Mãe Menininha.
Tomar conselho com Pai Joaquim,
encontrar com Exú, na encruzilhada,
botar pirâmide sobre a cama
e tomar banho de arruda.
Jogar o I Ching, búzio e tarô.
Consultar o oráculo
e o horóscopo chinês.
Estudar meu mapa astrológico,
banhar-me nas águas do rio Ganges,
meditar com os monges do Tibete,
dar presentes aos deuses do Olimpo,
cantar hinos a Vênus, Eros e Apolo...
Vou apelar.
Andar com pé-de-coelho,
ferradura, figa benta,
cabelo de elefante e um bentinho.
Mirar com o Santo Daime
e fazer pedido na Ponte dos Suspiros.
Atirar moedas na Fontana di Trevi,
em  qualquer fonte, poço ou mesmo poça.
Faço tudo.
Faço de tudo.
Mas tenho de achar um jeito
de estar novamente nos seus braços.


“Nur wer die Sehnsucht kennt
Wais was ich leide”

Se Goethe, como eu,
conhecesse a palavra
saudade,
talvez pudesse
expressar melhor
seu sofrimento.
A “Sehnsucht” dos alemães
não basta para tanto
sentimento.

MAS NOSSO AMOR TEM JEITO NÃO