Conta-se que, no apogeu do Império Romano, quando já
tinham aberto todos os caminhos terrestres possíveis e esbarrado com o mar
imenso e misterioso, o ponto mais a Oeste do Império fornecia um vinho muito
apreciado pelo césar da altura, como fosse o prémio pela chegada ao fim do
mundo seco. Os tempos corriam fáceis para o Império. Os viriatos já haviam sido
derrotados e a rota do Mediterrâneo estava dominada. Um barco com dez
tripulantes era encarregue de, a cada safra, levar o vinho para César. O
comandante da tripulação fazia comércio com sarracenos e malteses negociando o
vinho e repartindo os lucros para obter a conivência da tripulação. Certa vez,
exagerou. O povo do Languedoc estava em festa e também comprou vinho e muito.
-
Assu!
– exclamou César ao provar o vinho – O que houve com este vinho?
-
A
safra foi má – começa a explicar-se o comandante, afirmando com convicção –
Pouca chuva na Ibéria.
César suspeitou de tanta convicção e mandou que o vinho
fosse analisado.
-
Água.
– diz o responsável pela análise – Água a mais.
-
Para
pouca chuva… Assu! Deveria ser água a menos. – César remói a indignação e
ordena – Prendam-no! A ele e toda a tripulação. Castrem o traidor e o futuro
está resolvido depois, penso no que fazer com ele. Assu!
Quando este césar dizia “Assu”, sua expressão favorita,
era surpresa, boa ou má. Algo de grande lhe chamava a atenção. E ele era
constantemente surpreendido pela grandiosidade das coisas pois, flor de
curioso, vivia cercado de historiadores, astrónomos, matemáticos e filósofos
para além da força militar de defesa. A expressão pessoal dava azo a discussões
entre os eruditos. Uns defendias que era um neologismo inventado por ele
próprio, outros diziam que era latim arcaico ou sânscrito. Mas todos gostavam
quando traziam-lhe uma novidade e ele exclamava “Assu” como da vez que seu
astrónomo lhe falou da experiência de um grego chamado Tales de Mileto que
provava que a terra era um globo.
-
Assu!
Isto é deveras interessante. Quer dizer que a terra é redonda?
-
E
agira sobre a superfície do oceano a marcar as horas.
-
Isto
já é asneira. São malucos esses gregos. Se assim fosse, amanhecíamos todos
molhados. Assu, que isto é parvoíce.
-
Também
acho. Ainda mais porque existem terras para além do Atlântico.
-
Assu!
Isto eu não sei.
-
Um
povo antigo, os Fenícios, que eram excelentes navegadores… conta-se que se
aventuraram para Oeste e deram com terra. Também os Vickings…
-
Há
provas?
-
O
templo daquele famoso sábio hebreu, a quem é chamado Salomão, foi construído
com madeiras que não existem em nenhuma floresta conhecida.
-
Assu,
assu,assu! – César conjectura – Se a Terra é redonda… Gira e marca as horas com
a posição do Sol… Há que descobrirmos essas terras para além mar.
-
Tal
empresa não é oportuna, ó, César. – argumenta o responsável pelas finanças – Temos
que conter certos gastos.
-
Há
que fincar o estandarte de Roma do outro lado deste tal globo em que vivemos. A
Águia de Roma conquistará novas terras e povos, se estes existirem, em todos os
quadrantes desta grande bola.
-
Ó,
César. – intercede o filósofo, que era sempre o encarregado pelos outros quando
havia que contradizer ou repreender César – Os cofres públicos, de momento, não
suportam tal ousadia.
-
Assu.
– César anda de um lado para outro – O castrado! Assu! Mandem o castrado e sua
tripulação de aldrabões. Poucos víveres e um barco qualquer. O mesmo que eles
usavam para vender o meu vinho. E que não retornem sem boas novas.
-
Assim
será. – e o filósofo torna-se ainda mais cauteloso – Mas, diga-me, ó, César, o
porquê de tanto afã.
-
Ó,
meu caro, você compreender-me-á. – põe a mão sobre o ombro do filósofo e
segreda-lhe ao ouvido – Assim, poderei afirmar, de boca cheia: “O Sol nunca se
põe no Império Romano!”
A sorte, mais que os parcos conhecimentos de navegação,
levou os proscritos a bom porto em terra firme que, se ilha, era demasiadamente
grande. Terra riquíssima onde o ouro aflorava ao solo, muita madeira e uma
gente curiosa e hospitaleira, sem maldade alguma, que andava completamente nua.
-
Assu!
– exclama o castrado, brincalhão – César não está por perto, pois não? Assu,
assu, assu… - saltita como uma criança – Assu, que isto é o Paraíso! Assu,
assu! – mulheres e crianças formam uma roda e riem com a estranha dança – Anda
cá. – acena para um de seus homens, o que tinha mais facilidades para línguas –
Pergunte para eles que terra é esta. Fale na língua de Porto Calen que é a
terra mais próxima.
-
Que
terra é esta? – diz o intérprete na língua dos lusitanos. Diante do silêncio,
acrescenta na língua dos sarracenos – Quem são vocês? – tenta a língua D’Oc
que, apesar de recente, oriunda do latim vulgar, era já muito utilizada pelos
viajantes comerciantes ou artistas – Como se chama este lugar?
-
Tenta
por gestos. A linguagem dos mudos. – arrisca o comandante como última
tentativa.
-
Nós
somos a Nação Tamoio. – responde um homem com muitas penas coloridas na cabeça
– Esta terra é Pindorama. Sejam bem-vindos. – falou em língua Tupi-guarani e os
romanos não perceberam nada para além de que estavam entre um povo que não lhes
ia fazer mal.
Conseguir o perdão de César ou fugir para um outro lugar
onde todo aquele ouro valesse, já que ali, ninguém lhe dava importância.
Matarem-se uns aos outros para ficar um quinhão maior. Quedarem-se por ali
mesmo pois a sorte poderia não lhes sorrir outra vez. Estes eram os pensamentos
dos homens enquanto carregavam a embarcação que era pequena para tantas coisas:
penas coloridas, sementes, um pedaço de madeira brasina que os da região
chamavam arabutã, pedras e ouro, muito ouro. As ideias de riqueza e de perdão
prevaleceram e fizeram-se ao mar. Menos o comandante que ficou no seu paraíso.
Da embarcação e seus homens, nunca mais se teve notícias.
Na nova terra não deixaram nenhuma inscrição como fizeram os fenícios. Da
passagem dos romanos por Pindorama só ficou a palavra “açu” que é um sufixo nominal
usado por todos os povos que falam o tupi-guarani e que exprime a ideia de
grandeza.
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