domingo, maio 05, 2024

A cueca comunista

 

Corriam os tempos sombrios da ditadura como sombria era a rua onde dois homens cumpririam sua missão caso  o  perigo não surgisse das sombras travestido em forças da lei e da ordem. Um, jovem estudante universitário expulso por envolver-se com o movimento estudantil; o outro, advogado de meia idade já há muito engajado nas causas populares. Esperavam pelo material gráfico que seria distribuído nos portões das fábricas. O jovem, que tinha o comando da acção, fica preocupado com o nervosismo acentuado do outro.

- O que se passa, companheiro?

- Não é nada.

As sombras, nesses tempos, invadiam as cabeças e as coisas deviam ser muito bem esclarecidas.

- Ou o companheiro me diz já o que se passa ou serei forçado a suspender a operação.

- Sabe o que é? É que eu tenho o hábito de usar cuecas. Se eu saio sem cueca eu fico nervoso, sinto-me desprotegido. É como se eu estivesse nu. Não ria, não. Deve ser trauma de infância. Sabe... aquela coisa do passarinho não fugir...

- E você está sem cueca?

- Pior. Com essa mania. Na pressa, peguei uma calcinha da minha mulher. Agora. Imagina se há uma rusga... Ser preso como comunista, vá lá, mas como pervertido?!

As sombras persistem e o jovem acha a história muito mal contada.

- Deixa eu ver.

 

Vermelha. Mas com rendinhas. Pelo sim, pelo não, suspendeu-se a operação.

 

Esta história, acontecida, contou-ma o Zé.

 


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