Há moedas
cuja quantia não nos compensa o trabalho de abaixar, mas aquela tinha um bom
valor facial e nem precisava abaixar tanto já que estava no parapeito da
entrada do metro, tão fácil que dava a desconfiar tratar-se de alguma partida,
como daquelas de chumbar-se a moeda na calçada. Arrisquei. Olhei para um lado e
para o outro com medo do ridículo e peguei. Dava para uma passagem e ainda
sobrava para o café. E dava para pensar, afinal, coube a mim apanhá-la e
quantos passaram por ali e talvez até a tivessem visto mas... a partida...
Arrisquei e petisquei. Achado não é roubado, quem perdeu foi relaxado! Mas,
porque eu?! Dava o que pensar. Mas impensável era saber por quantas mãos
passaram por aquela moeda quede certeza, não passou pelas de um avarento, por
minha sorte. Mas gostava de saber... Saber, pelo menos, das mãos da última
pessoa, das quais a moeda escapou e veio pousar caprichosamente na amurada.
Porém, eu não sabia que aquela moeda tão rara de achar-se na rua, havia tido
por último dono uma figura invulgar: um homem que era um pagador compulsivo.
Vá-se lá saber por que cargas d’água ele adquiriu a estranha mania de pagar.
Muito ou pouco, pagava, consoante às suas posses e, quando estava a nenhum,
pedia emprestado (e pagava). Todos os dias, tinha que satisfazer seu
viciozinho. Pequeno vício de fácil satisfação pois, os tantos amigos dele se
acercavam já pela manhã para o pequeno almoço. À noite, então... quantas
rodadas! Mas, esse dia foi o seu dia de
azar. Fora convidado por um amigo para servir de companhia em uma viagem de
negócios. Na estrada, o amigo adiantou-se e pagou o café. Conformou-se quando o
amigo disse que ele pagaria o almoço. Fez planos. Comidas típicas da tal região
que iriam. Bons vinhos. Ma sorte. O almoço era pago pela organização do tal
encontro de negócios. Chateou-se com o amigo achando que ele já sabia disso e
estava de gozação. Zangou-se com a empregada de mesa que, recém chegada de
outro país e não acostumada com nossos hábitos, não aceitou a gorjeta que ele
ofereceu. A tarde estava complicada. Era um completo estranho na cidade.
Derradeira tentativa, antes de partirem. Três velhinhos sentados à porta de uma
tasca. Ofereceu-lhes uma bebida. Ao ser recusada a oferta, entrou na tasca.
“Minha senhora.” – inquiriu aborrecido com a desfeita – isto aqui é uma tasca,
tem três velhinhos sentados à porta e querem me convencer de que não bebem
nada. Até certo ponto eu compreendo, pois sou um estranho, portanto, o que eles
pedires, a senhora pode servir. Aqui está. Veja lá o que eles querem beber.” “Ih, cavalheiro, esses três, há muito que não
bebem. Eles ficam ali só para pegar um solzinho.” A noite não começou melhor. “A gasolina é
comigo.” O depósito estava cheio. “Pago a portagem.” O carro utilizava a Linha
Verde. “Na próxima parada, pago o lanche.” O amigo tinha pressa. Fim da viagem.
Nem se despediu do amigo. “Amigo da Onça, isto sim.” Pensou, batendo a porta do
carro, indignado. A cidade estava vazia. Como era possível? Não era assim tão
tarde. Os céus estavam contra ele. Era daqueles dias que não se devia sair da
cama. Mas ele não se entrega. Não podia perder as esperanças. A jornada não
terminara. O dia não acabou. Ainda não deu meia-noite. No metro, um cego
mendigo largava o seu ponto. “Senhor, toma lá uma moedinha.” “Já fechei a
loja.” Responde, brincalhão, o pedinte. Tenta a todo o custo fazer com que o
outro, já assustado, pegue a moeda. Mãos ocupadas, caixa guardada no fundo do
saco, camisa sem bolso e bolso da calça furado. “Eu não vou andar por aí com
uma moeda entre os dentes. Isso é porcaria.” Sentenciou o mendigo ante a última
tentativa, dirigindo-se para a plataforma. que cena grotesca. O ceguinho a
tentar desvencilhar-se arrastando o outro agarrado ao cós das calças. Um
policial aproxima-se acudindo aos gritos e ao bater da bengala. “Senhor guarda,
eu quero lhe dar uma esmola e ele não quer aceitar.“ “Homem, deixa lá o cidadão
ir para sua casa em paz. Solte o homenzinho. Isto pode lhe complicar a vida.”
“Eu tenho... eu preciso... Senhor polícia. Vamos esquecer este incidente.
Aceita o senhor esta moeda e eu vou para minha casa sossegado. “Suborno!?”
Gritou o guarda. O ceguinho pegou o comboio e ele, chorando no ombro do
policial, contou todo o dia fatídico que tivera. “...e eu não consegui pagar
nem um cafezinho!” “Vá para casa, vá.“ E o olhar complacente do polícia
acompanhava aquela triste figura que sobe as escadas, cabisbaixo, deposita a
moeda no parapeito e diz:”Fica aí para quem pegar.”
Eu não
sabia disso. Se soubesse, acho que não pegaria a moeda.
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